11.22.2012

conversa 1961 e respostas a perguntas inexistentes (232)

Não sou, por norma, muito falador. Pelo menos é o que eu acho. Como costumo dizer a mim mesmo, falo de menos e escrevo demais. Até me considero uma pessoa tendencialmente tímida. Há, no entanto, uma excepção: as conversas a dois.
Na verdade, considero que a minha sanidade mental depende muito das conversas a dois. Prefiro conversas a dois do que a três, quatro ou cinco. Não sei porquê, mas a capacidade que eu tenho de me concentrar numa conversa e, portanto, de me interessar por ela, é muito maior quando tenho apenas um interlocutor.
É por isso que adoro receber uma visita em casa ou, por outro lado, tendo a visitar mais os meus amigos que vivem sozinhos. Um amigo, uma garrafa de vinho ou de uísque e algum pão ou chocolate, e tenho uma noite por bem dada.
É verdade que esta minha característica, que não é boa nem má, também teve sempre uma enorme importância nos meus relacionamentos amorosos. Uma relação com uma mulher que gosta de falar a dois, por mim, é normalmente mais fácil do que com uma que até pode ser mais social e, por isso, não dispensa uma noite sem um grande grupo de amigos à sua volta. Acreditem, sei-o por experiência própria.
Isto quer dizer também que, na idade que atravesso, considero-me um privilegiado por ter feito e mantido alguns amigos que são exactamente como eu neste aspecto. Não são muitos, mas são os suficientes para eu manter equilibrada a balança da solidão e do convívio. Há uns dias, por exemplo, visitei uma amiga minha que quase nunca sai de casa por opção própria. Visito-a mais a ela do que ela a mim, talvez por isso mesmo. Depois duma noite inteira a conversar, deviam ser umas três da manhã quando ela me pediu silêncio.
No princípio até pus a hipótese dela se estar a sentir mal. Observei-a com atenção enquanto ela dividia irmãmente o que restava duma garrafa de Vila Ruiva Reserva 2010 (ela só bebe vinho alentejano) e cheguei à conclusão que não. Dei um gole no copo e encostei-me para trás no sofá.

- Eu acabei de te explicar porque é que me divorciei do meu marido. - disse ela.
- Acabaste, sim. - confirmei.
- Disse-te que passámos quatro anos, eu e ele, a tentar apaixonarmo-nos um pelo outro e que, passado esse tempo, chegámos à conclusão que não tínhamos conseguido.
- Eu percebi. - confirmei de novo.
- És a primeira pessoa a quem conto isto e que não faz nenhuma observação parva, do género: "tanto tempo para perceber que não estavam apaixonados?!".
- Não acho que seja assim tanto tempo. Além disso, acho perfeitamente normal insistirmos em tentar uma paixão com aqueles de quem gostamos muito. Já aconteceu a todos... - observei, numa tentativa de tornar o mais normal possível a coisa.
- Eu acho que só nos entendemos assim tão bem porque nunca há mais ninguém quando conversamos. - concluiu.

Fiquei a pensar naquilo para além daquela noite, até agora, momento em que escrevo este texto. É que às vezes, para alinhavar o meu pensamento, tenho que o escrever. Senão não sou capaz. Acho que ela tem razão e, sem o saber, explicou-me uma característica que eu tinha como minha.

10 comentários:

Eli disse...

Entendo-te perfeitamente e, cada vez mais faço por isso, embora não dispense um grupo de pessoas de quem goste. No entanto, eu só conto coisas minhas a um amigo de cada vez. É raríssimo contar algo que considere mais pessoal, mais meu, mesmo que não seja um grande segredo, a mais do que uma pessoa ao mesmo tempo. Ah, sempre que o faço, fico com uma espécie de sensação de vazio, pois parece que nem me valorizei o suficiente. Também dou conta que os outros - os amigos - acabam por agir dessa mesma forma comigo e, quando me contam algo é apenas a dois. E mais: já me afastei de amigos/as (despropositadamente) por não terem arranjado tempo (em anos) para estar só comigo, tendo sempre trazido o seu par/cônjuge atrás. E, quando me apercebi disso, cheguei mesmo a dizer: "nunca mais falámos como dantes porque nunca tens tempo para estarmos só nós." Visto de fora parece uma coisa de ciúmes, mas não é. É uma cumplicidade. E não te vou alugar mais isto. (lol) :)

Ivar C disse...

Eli, já tive essa sensação também, a de que perdi alguma coisa dum amigo depois de ele ter iniciado uma relação qualquer. mas nem sempre, felizmente. :)

Mam'Zelle Moustache disse...

Concordo plenamente, BA. Uma conversa entre duas pessoas é muito mais produtiva e, diria até, verdadeira, do que quando há mais gente.

nos"entas!!!! ( e feliz) disse...

Infelizmente as pessoas "conversam" cada vez menos...
sinto falta disso..
de sentar a conversar ...horas...
sem sentires a pressão de parecer bem ou da critica fácil..
bjo

Ivar C disse...

Mam'Zelle Moustache, é o que eu acho... :)

quase nos "entas", pois.. eu nem sinto falta porque o faço constantemente. sou um sortudo, se calhar. :)

Dois Cafés disse...

eu também sou exatamente assim.

Ivar C disse...

Dani, :)

Lily disse...

Obrigada! Este texto fez-me sentir real e normal!
Muitas vezes fico com uma sensação de ser "anti-social" isto no sentido de ter dificuldade em conseguir expressar as minhas ideias/opiniões/sentimentos quando estou num grupo de pessoas contrariamente ao que acontece quando estou numa conversa a dois. Aliás, às vezes nem é sentir dificuldades, é mesmo não me apetecer...

Lily disse...

(Este comentário não pertence a este post. Só para dizer que deve estar a acontecer algum problema porque os meus comentários não aparecem. Possivelmente (espero que seja isso!!!), não devem chegar...)

Ivar C disse...

lily, eu é que agradeço. todos os dias rejeito alguns comentários, mas não rejeitei nenhum teu. Disso podes ter a certeza. Aliás, já recebi algumas queixas por email por esse motivo. :)