respostas a perguntas inexistentes (207)
salvaste-me a noite
Tenho uma amiga de quem gosto muito mas que, por viver longe dela, só vejo muito raramente. Eu divido a minha vida entre Aveiro e Porto, ela divide a dela entre Castelo Branco e a Covilhã. A forma como nos conhecemos foi muito estranha, e levou-me a perguntar várias vezes o que é nos pode interessar ou não numa pessoa. Duma coisa tenho a certeza: há pessoas de quem gostamos muito, outras de quem não gostamos nada. Nunca na vida chegamos a saber o motivo.
Tenho uma amiga de quem gosto muito mas que, por viver longe dela, só vejo muito raramente. Eu divido a minha vida entre Aveiro e Porto, ela divide a dela entre Castelo Branco e a Covilhã. A forma como nos conhecemos foi muito estranha, e levou-me a perguntar várias vezes o que é nos pode interessar ou não numa pessoa. Duma coisa tenho a certeza: há pessoas de quem gostamos muito, outras de quem não gostamos nada. Nunca na vida chegamos a saber o motivo.
Conheci-a há já muitos anos num pequeno bar em Bruges, na Bélgica, durante um fim de semana que ali passei sozinho. Mal entrei, sentei-me no único lugar ao balcão disponível e ela estava ao meu lado direito. Não me lembro de quem estava ao meu lado esquerdo porque, por qualquer motivo, ela me prendeu a atenção desde o primeiro momento. Depois de a ter visto a dar alguns goles numa cerveja tão grande quanto a que entretanto eu pedi, e sem lhe ter ouvido uma única palavra, perguntei-lhe se ela era portuguesa. Ela sorriu e respondeu que sim.
Passámos o fim de tarde e a noite toda a passear por aquela belíssima cidade medieval, entrando de vez em quando num bar à sorte para beber qualquer coisa. Ela mostrou-me um caderno que tinha onde pedia a todas as pessoas que conhecia que fizessem um retrato dela. Não tinha que ser um desenho aproximado. Podia ser um texto, um rabisco ou qualquer outra coisa que, para quem o fizesse, a definisse a ela como pessoa. Folheei todas as páginas e, como ela era uma pessoa que viajava muito, tinha textos em alemão, inglês, italiano e espanhol. Também tinha muitos desenhos, totalmente diferentes uns dos outros.
O interessante daquele caderno é que demonstrava os vários ângulos sob os quais ela tinha sido vista por pessoas diferentes, e acabámos a falar sobre isso mesmo. Ela tinha a teoria que nós somos o que os outros pensam de nós, e que aquele caderno acabaria por dar um puzzle sobre ela mesma. Um trabalho que a ajudaria a conhecer-se melhor a ela própria.
No fim da noite, e já no último bar, ela pediu-me para também lhe fazer um desenho. Com o que o meu estado parcialmente sóbrio me permitiu, desenhei-a duas vezes como se se estivesse a ver a um espelho. Por baixo escrevi que nós também temos o direito de pensar alguma coisa sobre nós mesmos.
Para ser sincero, já não me lembrava desse desenho. Lembrava-me apenas do abraço prolongado que demos quando me despedi dela em frente ao hotel onde estava alojada, e do percurso solitário que depois fiz até à minha pensão barata no perímetro urbano da cidade. Há uns dias fui jantar com ela, numa pequena pizzaria em Viseu, e ela mostrou-mo. Disse-me que nessa noite, apesar de ter vontade, não me convidou para subir ao quarto dela porque tinha lá o marido à espera.
O marido era um holandês viajado, homem de negócios, que lhe controlava totalmente a vida. Ela sentia-se extremamente só e, quando ele tinha reuniões, ela aproveitava para sair e ver pessoas. Como era, e ainda é, muito bonita, sempre lhe foi fácil acabar a conversar com um estranho qualquer. O caderno, confessou-mo nesse jantar, era o resultado dessas saídas.
Nessa noite em que a deixei no Hotel, e porque já era demasiado tarde, ele ralhou violentamente com ela. Foi também a primeira vez que ela lhe respondeu e ameaçou divorciar-se, o que veio a acontecer uns meses depois. Uma das coisas que ela lhe disse nessa discussão é que ele devia ver-se ao espelho, para perceber que não era apenas aquilo que os seus colegas de negócios lhe diziam, mas era também um homem violento, inseguro e sem o mínimo de respeito por quem gostava dele. Depois chorou.
Lembro-me que fui passar esse fim de semana a Brugges precisamente para estar sozinho, mas cinco minutos depois de sair à rua já estava extremamente arrependido. Queria estar com alguém porque me sentia só. Acho que vivi uma época assim, em que nunca estava bem como estava a não ser que alguém me surpreendesse. Não sabia, pelo menos da forma que sei hoje, o que é Amar e estar continuamente apaixonado. Era esse o meu problema.
Ela acabou a pizza dela uns cinco minutos depois de mim, cruzou os talheres e pediu dois cafés.
- De certa forma salvaste-me a vida. - disse.
- Salvaste-me a noite. - respondi.
Passámos o fim de tarde e a noite toda a passear por aquela belíssima cidade medieval, entrando de vez em quando num bar à sorte para beber qualquer coisa. Ela mostrou-me um caderno que tinha onde pedia a todas as pessoas que conhecia que fizessem um retrato dela. Não tinha que ser um desenho aproximado. Podia ser um texto, um rabisco ou qualquer outra coisa que, para quem o fizesse, a definisse a ela como pessoa. Folheei todas as páginas e, como ela era uma pessoa que viajava muito, tinha textos em alemão, inglês, italiano e espanhol. Também tinha muitos desenhos, totalmente diferentes uns dos outros.
O interessante daquele caderno é que demonstrava os vários ângulos sob os quais ela tinha sido vista por pessoas diferentes, e acabámos a falar sobre isso mesmo. Ela tinha a teoria que nós somos o que os outros pensam de nós, e que aquele caderno acabaria por dar um puzzle sobre ela mesma. Um trabalho que a ajudaria a conhecer-se melhor a ela própria.
No fim da noite, e já no último bar, ela pediu-me para também lhe fazer um desenho. Com o que o meu estado parcialmente sóbrio me permitiu, desenhei-a duas vezes como se se estivesse a ver a um espelho. Por baixo escrevi que nós também temos o direito de pensar alguma coisa sobre nós mesmos.
Para ser sincero, já não me lembrava desse desenho. Lembrava-me apenas do abraço prolongado que demos quando me despedi dela em frente ao hotel onde estava alojada, e do percurso solitário que depois fiz até à minha pensão barata no perímetro urbano da cidade. Há uns dias fui jantar com ela, numa pequena pizzaria em Viseu, e ela mostrou-mo. Disse-me que nessa noite, apesar de ter vontade, não me convidou para subir ao quarto dela porque tinha lá o marido à espera.
O marido era um holandês viajado, homem de negócios, que lhe controlava totalmente a vida. Ela sentia-se extremamente só e, quando ele tinha reuniões, ela aproveitava para sair e ver pessoas. Como era, e ainda é, muito bonita, sempre lhe foi fácil acabar a conversar com um estranho qualquer. O caderno, confessou-mo nesse jantar, era o resultado dessas saídas.
Nessa noite em que a deixei no Hotel, e porque já era demasiado tarde, ele ralhou violentamente com ela. Foi também a primeira vez que ela lhe respondeu e ameaçou divorciar-se, o que veio a acontecer uns meses depois. Uma das coisas que ela lhe disse nessa discussão é que ele devia ver-se ao espelho, para perceber que não era apenas aquilo que os seus colegas de negócios lhe diziam, mas era também um homem violento, inseguro e sem o mínimo de respeito por quem gostava dele. Depois chorou.
Lembro-me que fui passar esse fim de semana a Brugges precisamente para estar sozinho, mas cinco minutos depois de sair à rua já estava extremamente arrependido. Queria estar com alguém porque me sentia só. Acho que vivi uma época assim, em que nunca estava bem como estava a não ser que alguém me surpreendesse. Não sabia, pelo menos da forma que sei hoje, o que é Amar e estar continuamente apaixonado. Era esse o meu problema.
Ela acabou a pizza dela uns cinco minutos depois de mim, cruzou os talheres e pediu dois cafés.
- De certa forma salvaste-me a vida. - disse.
- Salvaste-me a noite. - respondi.
22 comentários:
há pessoas que conhecemos da forma mais surpreente possível.. essa vossa teve pelo menos um propósito, o de ajudarem-se mutuamente naquela noite :)
gostei!
v*, obrigado. :)
wow mas que historia surpreendente!
Gosto da maneira como "escreves" as mulheres, parabéns, Bagaço.;)
Sou uma visitante que discretamente vem cuscuvilhar o seu blogue.
Admito que já sorri várias vezes a ler os seus textos, mas este em particular fez-me relembrar que todas as pessoas que conhecemos, que passam pela nossa vida deixam um pedacinho delas, assim como levam um pedacinho de nós.
Gostei muito, e continue assim :')
Gostei muito. E palmas para Viseu! heheh
:)
A ideia do caderno é mesmo muito engraçada... há pessoas que nos conseguem surpreender ;)
As últimas palavras ficaram toldadas pela cortina de água nos meus olhos...
Gostei demais!~
Obrigada!!!
:o)
Muitas pessoas surgem nas nossas vidas por acaso mas não será por acaso que ficam. Absolutamente delicioso.
Conhecemos muitas pessoas por acaso mas não será um acaso as que ficam. Absolutamente delicioso.
Eu acho que tenho um problema com espelhos, vejo sempre desfocado, mal, por isso tenho concordado e seguido por essa teoria, o que os outros reflectem de mim é sempre mais nítido, e faz-me depois em frente ao espelho tentar reconhecer o que fazem de mim. Nem sempre me reconheço mas não sei se estou certa.
Esses encontros, por vezes, nos fazem fazer "balanços" sobre a vida que temos, que nunca pensamos fazer antes.
São saudáveis e esclarecedores, toda a gente acaba por ter encontros assim e ainda bem, mas nem todos sabem o que fazer depois desse balanço xD
liliana costa, :)
lm, obrigado. :)
sorriso cúmplice, é verdade, todas as pessoas nos deixam um pedaço delas. obrigado. :)
eli, lol! viseu tem umas pizzas boas, pelo menos. :)
estudante, há pessoas que nos surpreendem, sim... e são sempre importantes. :)
pearl, obrigado. :)
tens razão. obrigado. :)
eva, nada que não se resolva. aliás, eu acho importante resolver. :)
H.Santos, é verdade, essa de depois do balanço não sabermos o que fazer.é verdade em tantos aspectos... :)
Muito bom! Perfeito.
Nada acontece por acaso...e para sentirmos e sabermos dar valor... temos que estar atentos. Viver é isso mesmo!
Este texto tem muito que se lhe digo no que toda a "relações humanas"!
Também gostei muito de Brugges e não me importava nada de lá voltar.
ladybug, obrigado. :)
fatyly, já lá fui quatro vezes nesta vida, e espero ir outras tantas. :)
E tem muitas outras coisas, ou não fosse a "minha" cidade.
Acho que chega de revelações por hoje. :)
eli, eu sei que sim. simpatizo com Viseu. Até certo ponto, pelo menos. :)
Que história original e dá que pensar. Muito!
pérola, :)
Li este comentário no dia em que publicou. Fiquei a pensar.
Admiro a sua "amiga" que pediu para fazer um retrato dela. Essa pode ser a forma de nos conhecermos através das outras pessoas, da imagem que passamos.
Simplesmente fantástico! :)
g, concordo. :)
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