7.22.2011

semáforos

Passou ali de automóvel por acaso quando não tinha nada que fazer. É sempre assim nas noites em que está só, mete-se no carro e conduz sem direcção. Nunca pára, que pelo menos ao volante tem a sensação de que está a ir para um sítio qualquer, que tem um objectivo. Mesmo que não tenha. "Fingir a nós mesmos que temos um rumo é um processo de salvação da alma", diz a si mesmo repetidas vezes enquanto procura uma estação de rádio com música e em que o locutor fale pouco.
Da alma até pode ser, do corpo com certeza que nãoPassou por Eva por acaso, uma prostituta sentada na beira da montra duma loja de electrodomésticos. Não parou logo. Primeiro foi dar uma volta e parar para pensar nisso nos semáforos vermelhos. Os semáforos vermelhos são uma maravilha para quem conduz sem destino, são como um intervalo em que o tempo pára, em que se pode pensar e ver a vida por fora. Tal como ela é. E por fora a vida é exactamente isso: fingir pode enganar a alma mas nunca engana o corpo.
Eva ainda estava na mesma posição quando encostou o carro e abriu o vidro do lugar direito, com os cabelos despenteados e o olhar preso num infinito que o atravessava e ia mais além. Buzinou e ela não reagiu. Depois chamou-a com a mão num gesto igual ao de quem apanha areia na praia, com a mão voando repetidamente numa concha que a queria era apanhar a ela. "Entra!", disse-lhe quando a viu encostar-se ao carro. Ela entrou.
Saiu da casa de banho duma pensão nos subúrbios, na verdade a primeira por que passaram, e ela já estava nua na cama. Agarrava-se estranhamente aos lençóis como uma criança que tem medo dos monstros debaixo da cama, mas não resistiu quando ele se tentou deitar. Talvez por ter medo de a enfrentar e de se enfrentar a si mesmo, penetrou-a de costas e em silêncio. Foi rápido, que o corpo estava sedento. Depois perguntou-lhe o nome enquanto limpava o falo a uma das almofadas. Eva.
Saíram da pensão ao mesmo tempo, e parecia que as ruas se tinham silenciado perante aquele inusitado acto sexual. "Queres que te leve a algum lado?" Perguntou-lhe ele como se despedir-se dela já ali fosse demasiado abrupto. "Gostava de andar de carro e simplesmente parar em alguns semáforos vermelhos", respondeu ela.

10 comentários:

Anónimo disse...

De facto andar sem destino não é muito diferente de se prostituir. Nos dois casos vende-se o corpo por um objectivo.
Quando me sinto assim pergunto-me sempre se devo ir dar uma volta de carro ou se me devo ir prostituir? Até hoje optei sempre pela primeira :)
CR

Ivar C disse...

cr, eu entendo. :)

Fatyly disse...

Por vezes também ando sem destino apenas e tão só porque gosto do facto de não haver qualquer compromisso, mas não consigo comparar com o mesmo sentimento de "prostituir" que são vidas bem mais lixadas!

Anónimo disse...

este texto é muito forte...muito diferente dos que costumas escrever, que normalmente são muito mais suaves e belos.
Daniela

Malena disse...

Duas solidões a mirar-se nos semáforos vermelhos... Triste!

Bom fim-de-semana! :)

Ivar C disse...

fatyly, a prostituição tem vários níveis e objectos. :)

daniela, obrigado. :)

malena, yep. :)

Ivar C disse...

fatyly, a prostituição tem vários níveis e objectos. :)

daniela, obrigado. :)

malena, yep. :)

Ivar C disse...

fatyly, a prostituição tem vários níveis e objectos. :)

daniela, obrigado. :)

malena, yep. :)

Helena disse...

Esse tempo, de se parar em sinais vermelhos, é crucial para algumas pessoas, então faça-se a vontade!

Ivar C disse...

helena, é o intervalo. :)