5.05.2011

pensamentos catatónicos (243)

O estrangeiro

Quando eu era mais novo as mulheres portuguesas preferiam homens estrangeiros. Eu tinha uns ciúmes danados deles, dos estrangeiros, por causa disso. Um estrangeiro dizia três ou quatro palermices e ganhava imediatamente o estatuto de "homem interessante" junto de qualquer mulher portuguesa. Eu, por mais que me esforçasse, não passava da mísera condição de vulgar português.

Esta sensação de injustiça que habitava em mim ganhou contornos definidos quando conheci a Luísa e, pouco depois de começar a namorar com ela, fomos convidados para uma festa de estudantes universitários onde ia estar um estrangeiro. No caminho para lá, e assim como quem não quer a coisa, ela mencionou o facto pelo menos dez vezes, revelando uma ansiedade que só por si já me incomodava. Claro que, pouco tempo depois de lá chegarmos, já ela achava aquele estrangeiro um doce enquanto eu o via como um imbecil.
Passei essa festa sentado numa cadeira da cozinha a falar com mais três ou quatro portugueses tão simplórios como eu, tentando disfarçar a sensação de derrota enquanto o exuberante estrangeiro se passeava pela casa seguido de perto por todas as mulheres presentes. Não vi a Luísa uma única vez a não ser quando ela veio buscar uma cerveja ao frigorífico. Para o estrangeiro, claro. Nessa noite voltei para casa sozinho e o Amor entre nós esfriou rapidamente, até desaparecer por completo.
A verdade é que nesses tempos ser estrangeiro em Portugal ou artista de circo era mais ou menos o mesmo: coisa rara e, portanto, digna de se ver. Havia um complexo de inferioridade que nos fazia levantar rapidamente para dar a nossa cadeira a qualquer estrangeiro que aparecesse por aí, enquanto lhe perguntávamos humildemente se estava bem ou se queria um café. Não era simpatia, era mesmo um certificado de tacanhez.
Há uns tempos encontrei a Luísa e perguntei-lhe se ela se lembrava dessa festa. Baixou os olhos e esboçou um sorriso envergonhado. Disse-me que tinha sido de propósito, para eu sentir ciúmes e me roer por dentro. Pela primeira vez percebi, muitos anos depois, que talvez eu tenha sido mais importante para ela que o estrangeiro nessa festa, e amarrado pela minha adolescência insegura era só isso que eu queria. Mas no Amor sê-lo não chega, é preciso parecê-lo.

24 comentários:

EU SOU EU disse...

eheheheheh...é por estas e por outras...que eu cada vez mais...compreendo menos as mulheres... mas também cada vez mais...me esforço menos para o fazer...

estórias disse...

e era amor?

Ivar C disse...

eu sou eu, :)

estórias, era adolescência. :)

Suzana disse...

Nossa, isso ainda é tão vervdadeiro para os brasileiros - homens e mulheres.

$hort disse...

Essa Luísa sabe-a toda! Já a sabia então e continua a saber agora...

;D

Ivar C disse...

suzana, no Brasil então é que não faz mesmo sentido... :)

$hort, mais do que eu sempre soube. :)

Helena disse...

E dizê-lo...sobretudo dizê-lo! :)

Ivar C disse...

helena, pois... dizer é um contributo para parecer. :)

Anónimo disse...

Faz sentido no Brasil. Os homens brasileiros são uns verdadeiros toscos.

Fatyly disse...

No meu tempo queríamos lá saber dos estrangeiros, as festas eram para todos e cada segundo era precioso para quem tinha namorado(a) porque podiamos...encostar, trantanmmmm, etc., sem sermos apanhados pela PIDE ou pelos pais!

Algo prevalecia na maioria das raparigas, poucas foram que se apaixonaram pelos soldados da metrópole, aí sim...autênticos estrangeiros num selva de pedra, pobres coitados!

A adolescência é tramada e que figurinhas que fazíamos e ainda criticamos os de hoje????

Olga disse...

Nos dias de hoje essa "tacanhez" ainda prevalece e aqui onde estou salta à vista todos os dias.

Anónimo disse...

A adolescência trás sempre recordações fantásticas. eheh

Anónimo disse...

Bem, se te queria meter ciumes...

Pessoalmente, não sou de aceitar comportamentos desses. E, interessante, todas as minhas ex-namoradas e a minha mulher sabem disso.

EJ

Quita disse...

Que não nos compreende é compreensível... é. Gosto que não compreendas sabes?! Não fosse isso, não tinhas tantos posts giros! Então, cá vai uma paleneirice tipicamente feminina pra ti! Vai buscar, que ofereço-te ;)

Ivar C disse...

anónimo, lol! alguns serão mais, outros nem por isso. são tantos. :)

fatyly, as figurinhas tristes não pertencem a uma só geração. :)

olga, mas... onde é que estás? :)

li, isso é verdade. muito fantásticas. :)

ej, por acaso... há mulheres que usam essa estratégia como se fosse funcional. :)

quita, obrigado. por acaso lembraste-me que tenho que ir buscar alguns. :)

Sinnerman disse...

Comá mulher de César, não é mesmo? ;)

Ivar C disse...

tld, lol. é mesmo. :)

EJSantos disse...

Ola Ivar. Normalmente costumo fazer comentários curtos e, de preferencia, bem humorados. Mas neste terei que guardar para mim parte da minha opinião sobre a tua amiga, para não ferir susceptibilidades.

Pessoalmente condidero que ela faltou-te ao respeito. E teve um comportamento indigno.

Mais não digo.
Um abraço

Ivar C disse...

ejsantos, tens razão... acontece muito entre adolescentes. :)

Olga disse...

No fim do mundo... :)

Isa Ribeiro disse...

Se acontece... :)

Ivar C disse...

ciara, :)

memyselfandi disse...

Olha lá, isso é ? tststs

Ivar C disse...

memyselfandi, é o quê? :)