4.28.2011

respostas a perguntas inexistentes (147)

fronteiras

A França e a Itália querem repor as fronteiras no espaço europeu. Há vários tipos de fronteiras na nossa vida, para além das fronteiras físicas entre países, e todas elas têm uma coisa em comum: tornam-nos a nós, pessoas do mundo, ainda mais pequenas e insignificantes.
A expectativa que temos uns dos outros também tem fronteiras. Por exemplo, aquilo que esperamos do condutor dum automóvel é que ele pare na passadeira para podermos atravessar uma estrada. Entre o peão e ele é essa a fronteira da expectativa. Se pensarmos bem, temos essa pequenez pragmática de não esperar muito uns dos outros. Aquilo que esperamos de um transeunte é que nos indique a direcção do nosso destino, aquilo que esperamos dum empregado de balcão é que nos tire um café e aquilo que esperamos dum porteiro é que ele nos abra a porta. Tudo o resto, aquilo que é o sumo da vida quando a esprememos, como a simpatia, um sorriso ou um abraço, pode vir ou não.
Só o Amor não tem fronteiras e é essa a sua grandiosidade. Esperamos tudo de quem amamos. Tanto, que até esperamos que o nosso Amor espere o mesmo de nós. Tudo. O Amor entre duas pessoas é, aliás, a demonstração política de que a utopia não existe enquanto tal.
Hoje mesmo vi um homem sentado no comboio com o computador em cima dos joelhos. A companheira dele, que seguia ao lado com um ar cansado, acabou por adormecer pousando a sua cabeça no seu ombro com a brandura de uma pena esvoaçante. Ele desligou imediatamente o computador, abdicando do que estava a fazer para tornar um pouco mais cómodo o sono dela. É esse o todo sem fronteiras que esperamos dos outros no Amor.
Os europeus não estão a perceber isso, e querem repor as fronteiras para que os que são capazes de dar o ombro a um Amor adormecido passem apenas a parar na passadeira, a tirar um café ou a abrir uma porta. Porque entre as pessoas de países diferentes passa-se o mesmo que entre pessoas do mesmo país. Ou tudo ou nada.

16 comentários:

Celina Rodrigues disse...

O pensamento geopolítico explica em grande parte essa intenção, um bom desafio seria definir o amor geopoliticamente, tenho a certeza que encontraríamos um bom enquadramento.
CR

Malena disse...

Curioso que estava a pensar escrever sobre isso. Essa intenção absurda de fechar as fronteiras!! Os acordos servem muito bem enquanto não incomodam a vidinha dos autóctones... É como os empréstimos... Tão bom termos quem nos empreste mas poder não emprestar!
O amor pelo próximo fica assim limitado ao umbigo de cada um.
:)

Xs disse...

Quando é a sério até se deixa de esperar seja o que for do Amor e abdica-se .... talvez por se ter a ilusão de que do lado oposto está tudo, é tudo e nos dá tudo o que precisamos

Happy Brunette disse...

;) gosto mesmo de cá vir... vale sempre a pena! E hoje não foi excepção! Obrigada... Adorei!

XoXo ♥

Ivar C disse...

celina rodrigues, pois explica. há uma crise económica provocada pela especulação mas, como a maior parte das pessoas não percebe isso, tende a culpar o vizinho do lado. é assim que a extrema-direita cresce sempre... :)

malena, é isso mesmo. ainda por cima os imigrantes como problema é uma falsa questão. :)

xs, também é uma forma de ver a coisa, sim. :)

happy brunette, obrigado. fizeste-me bem. :)

Celina Rodrigues disse...

Neste caso creio que a crise serve apenas como desculpa para cumprir uma vontade antiga que persiste, nomeadamente em frança.
Mas curioso é que ontem uma colega minha criticava a intenção da frança e de itália e hoje ao almoço para reclamar com a empregada do restaurante, ucraniana, disse: "olhe, aqui no meu país..."
A culpa não é do vizinho do lado, é nossa! É minha por não me ter levantado da mesa!

Ivar C disse...

celina, tens razão. aí está um assunto que não me fazendo levantar da mesa, também nunca deixo passar incólume. Não gosto de gente com o umbigo demasiado grande. :)

Helena disse...

O Amor não tem fronteiras...e ainda bem que assim é! :)

Fatyly disse...

Queremos ser tão bem recebidos, acarinhados, compreendidos, generosos onde procuramos um futuro melhor, mas fazemos o contrário em prol dos que por cá aparecem.

Senti isso na pele, vim parar a um país tão cinzento, mas calmamente e lentamente fui "pousando a cabeça no seu ombro com a brandura de uma pena esvoaçante"/errante/emigrante e sinceramente o cenário mudou, embora cada vez mais (talvez da idade) me sinta cada vez menos europeia!


Todos devemos ter fronteiras apenas na base do respeito: a minha liberdade termina quando começa a de outro..."Porque entre as pessoas de países diferentes passa-se o mesmo que entre pessoas do mesmo país. Ou tudo ou nada.".

Adorei esta tua visão real posta no papel de uma forma simples e magnífica!

Ivar C disse...

helena, :)

fatyly, eu nas ci aqui e também me sinto cada vez menos europeu... não sei porquê. obrigado. :)

redonda disse...

Gostei muito deste texto.

Ivar C disse...

redonda, obrigado. :)

Jeevika Dasi/CL disse...

Lindo! eu sou em teoria sou contra as fronteiras...acho que o mundo devia ser todo transitável de um lado ao outro...o mesmo acho dos sentimentos...quando se colocam fronteiras..deixamos sempre de fora algo que não devíamos...

Ivar C disse...

mikashi, concordo. :)

Estudante disse...

Txii... que verdade tão dura. Esperamos pouco dos outros. Eu diria até que esperamos o mínimo admissível. É uma perspectiva muito limitadora das competências de um ser humano... até porque temos tendência a transpôr essa expectativa para nós próprios e a achar que os outros esperam isso mesmo de nós.

Um excelente texto, outra vez :)

Ivar C disse...

estudante, obrigado. :)