12.22.2010

depois de um divórcio

a verdade da mentira

Depois do meu divórcio fui-me habituando à mentira que me dizia que eu estava sozinho, como se a única fuga desta vida à solidão pudesse ser uma mulher a quem se chame isso mesmo. Não é, e disso me apercebi ao mesmo tempo que os meus novos hábitos e comportamentos se me tornavam familiares. Coisas tão simples como telefonar às dez da noite a um amigo para a convidar a beber uma garrafa de vinho, ir à última sessão de um filme qualquer durante a semana ou simplesmente desaparecer uns dias sem dizer nada a ninguém.
Das mulheres que me tangeram esses dias, em forma de quase-sexo, sexo ou mesmo quase-início-duma-relação, lembro-me que me incomodava a forma como trituravam subtilmente esses meus novos hábitos. Afinal estar divorciado não era assim tão mau e passei para a fase da despreocupação com a minha vida emocional.
A vida emocional, para quem não sabe, não é o amor que sentimos pelo outro nem o egoísmo que nos habita dia a dia. É a verdade que resta daquilo que é mentira, mesmo quando toda a nossa vida é uma grande mentira. E é por isso, só por isso, que mesmo despreocupados nos podemos voltar a apaixonar.
Há dias, um amigo recentemente divorciado, disse-me que a maior vantagem do divórcio dele era que nunca mais tornava a passar pela mesma dor. Mesmo que um dia se apaixone de novo e a mulher o deixe, tudo o que vai sentir são apenas resíduos do que sente actualmente. Assenti compreendendo-o, mas também pensei que ele não é capaz de se apaixonar ainda. E não o é por um motivo muito simples: ainda acha que não é capaz de sofrer por uma mulher como sofreu pela primeira. É a verdade dele, dentro da mentira que é a sua vida neste preciso momento.
Não me digam nunca que o amor é uma coisa bonita. Não é. O Amor é apenas o nosso egoísmo no seu auge, e se eu hoje quero que a Raquel seja feliz é porque isso me faz feliz a mim. Mais nada. E na verdade, se alguma vez pensei que nunca na vida poderia sofrer como sofri no meu primeiro divórcio, enganei-me redondamente. Posso sofrer mais ainda, e foi ela que me ensinou isso.

26 comentários:

CurlyGirl disse...

Sem palavras.
"Assenti compreendendo-o, mas também pensei que ele não é capaz de se apaixonar ainda. E não o é por um motivo muito simples: ainda acha que não é capaz de sofrer por uma mulher como sofreu pela primeira."
Embora não perceba nada da vida, ainda, acho que aqui está uma grande verdade.

Ivar C disse...

curlygirl, nós morremos a não perceber nada da vida, e ainda bem. :)

Gigi disse...

Neste aspecto, egoísmo é assim algo ruim?

Fatyly disse...

O ser humano passa a vida a comparar o que por si só será sempre incomparável. Podemos passar mil e um problemas, tristezas, vivências começadas ou terminadas e mantenho-me na minha: tudo poderá ser semelhante mas nada é igual e o exercicio da comparação por vezes é nociso e surpreendente e o que a Raquel te ensinou é a maior das verdades.

Também e na minha modesta forma de ver, ir para uma relacção só para não estar só... após uma derrocada emocional por vezes de anos é como construir um prédio com um baralho de cartas, porque tudo leva o seu tempo, há que deixar acalmar a poeira e se surgir o Amor - porque existe...há investir numa construção mais sólida mas sempre inacabada.

"A verdade da mentira..." e conseguiste desenlear um pouco "A mentira de uma verdade"...

Gostei imenso!

Anónimo disse...

Uau bagaço, a mim também me parece uma grande verdade. É por textos destes que te tenho guardado ali em cima, na barra dos favoritos. Verdade ou mentira, toca-me, e isso garanto-te que é verdade.

cumprimentos,
V.

Pearl disse...

Cada vez que amamos uma pessoa, amamos mais um pouco que a anterior, portanto sofremos mais um pouco também...
É realmente ilusão pensar que não vamos sofrer mais...
;o)))***

Ivar C disse...

gigi, a questão é mesmo essa. ser egoísta é apenas um factor biológico. :)

fatyly, obrigado. gostei muito da metáfora do castelo de cartas, por ser tão verdade. :)

v, obrigado. :)

pearl, é sim... e gosto dessa perspectiva iniciática do amor. :)

Marilisa Mesquita disse...

tenho-me deliciado e dado umas boas gargalhadas à conta deste blog. gostei especialmente deste post... eu ainda estou na fase da mentira... há-de passar, espera-se.. (:

Ivar C disse...

Marilisa Mesquita, obrigado pela tua presença. há-de passar, sim. acho que é quase natural que passe. :)

Pedro disse...

O primeiro divórcio é doloroso, é como li há dias que “numa relação de amor suturamos a nossa felicidade na pele de outra pessoa e a separação provoca sempre uma laceração”, mas um segunda relação ou casamento, depositamos muito mais que a nossa felicidade, logo a separação é muito mais semelhante a uma amputação que a uma ferida, por mais dolorosa que ela seja!

Ivar C disse...

pedro, :)

Alexandra disse...

Este tema daria pano para mangas..
Concordo contigo, bagaço, quando dizes que o egoísmo é um factor biológico. Em tempos li algo acerca do facto de o altruísmo ser na realidade uma forma de egoísmo encapotado, visando na origem a sobrevivência da espécie (o sacrifício dos progenitores em prol das crias), e por aí fora até aos tempos que correm, em que o bem-estar alheio é desejável na medida em que nos faz bem a nós.
Gostaria de crer que existe verdadeiro altruísmo, e que nem todos os pensamentos de amor, amizade e generosidade têm por detrás um fundo egoísta. Mas há que reconhecer que na maioria dos casos é o que acontece..
Quanto à segunda separação se assemelhar mais a uma amputação que a uma ferida, também tendo a concordar.
Penso que o grande problema é a bagagem emocional que acumulamos, as feridas por sarar, e também, por mais que o neguemos, a fé renovada que depositamos em cada novo relacionamento, como se fosse uma forma de redimir os anteriores, como se já nada mais existisse se também aquela falhasse.
O ser humano tem uma inacreditável capacidade de se levantar sempre que cai, mas esquece-se desse facto facilmente. Vejo-o sobretudo em pessoas mais velhas, que julgam que com o avançar da idade a possibilidade do surgimento de um novo Amor se vai extinguindo.
Dizem que o tempo cura todas as feridas. Cada vez mais penso que apenas as remenda. As feridas que passam com o tempo não passaram de arranhões superficiais.. Daí que uma nova ferida possa até doer mais.
Em todo o caso, é mais saudável a dor do que a total ausência de emoções em que algumas pessoas mergulham quando decidem deixar de acreditar no Amor..

Anónimo disse...

eu já tenho dois,...divórcios
O primeiro custou muito o segundo não custou menos. totalmente diferentes os casamentos e os divórcios. podemos chamar a estes casamentos relações.é igual, a diferença está só nos papéis. vou agora na terceira relação (esta sem papéis). exige-me muito trabalho esta. quando acabar vai doer tanto ou mais do que as outras. não há vacinas para quem não desiste de partilhar a vida com alguém. as relações são todas diferentes, os "divórcios" também mas a dor não se consegue evitar a partir do momento em que somos capazes de nos apaixonar, ...mesmo despreocupados, essenciamente despreocupados

Ivar C disse...

alexandra, obrigado pelo teu texto. tens razão, o ser humano tem uma inacreditável capacidade de se levantar sempre que cai. acho que às vezes, quando está em cima, também tem incapacidade de perceber que pode cair a qualquer momento... :)

anónimo, obrigado pelo teu contributo. gostei de ler. :)

redonda disse...

Concordo, mas só em parte. Discordo quanto ao egoísmo. O facto de coincidir a felicidade que desejo àquele de quem gosto, com a felicidade que em consequência irei sentir, não significa que seja só por isso que desejo que seja feliz ou que por o desejar seja egoísta.
E pode não coincidir. Assim por exemplo se conseguir desejar que aquele de quem gosto seja feliz, mesmo que não seja comigo. E há quem consiga (não estou a colocar-me neste grupo porque normalmente sou mais egoista que altruista).

Ivar C disse...

redonda, não estava a falar do egoísmo de quem quer o chocolate todo só para si... :)

Alexandra disse...

redonda, concordo. E espero que realmente haja menos egoísmo do que julgo haver..!
Vou no meu terceiro relacionamento - este com "papéis", porque acho que por mais desilusões que tenhamos na vida, enquanto tivermos aquela centelha cá dentro que nos impede de desistir, acreditamos sempre no amor e na felicidade.
Posso estar errada, mas acho que muitas das pessoas capazes de pensar assim ("desejo que ele/ela seja feliz, mesmo que não seja comigo") estão também de certa forma a ser egoístas. É uma forma de forçar a aceitação, e a aceitação traz paz e distanciamento, ou seja, menos sofrimento.
A ausência de egoísmo anda de mãos dadas com a falta de instinto de autopreservação.. Ou seja, no fundo é uma deficiência! ;) Mas é daquelas deficiências que tornariam o mundo melhor se mais gente sofresse delas.
Mas como disse a CurlyGirl, ainda não percebo nada da vida. Aos 25 anos ainda se anda a tentar encontrar um fio condutor, por mais que se tenha já vivido.

Bagaço, peço desculpa pelos testamentos..

Ivar C disse...

alexandra, está na boa. eu até agradeço. :)

Blue Butterfly disse...

Concordo com o que escreveste neste post !! Gostei bastante .

Blue

Ivar C disse...

bluebutterfly, obrigado. :)

EJSantos disse...

" Amor é apenas o nosso egoísmo no seu auge, e se eu hoje quero que a Raquel seja feliz é porque isso me faz feliz a mim."

Doce contradição. Sou egoista, porque fico feliz por ver os outros felizes...

:-)

Fiquei bem disposto. Quem me dera que todos os egoistas fossem assim.

Ivar C disse...

ejsantos, é que eu não disse que o egoísmo era mau. :)

Alexandra disse...

Acho que o egoísmo é necessário, e tal como tudo o resto, em excesso é mau. Mas egoísmo a menos também é mau.. No meio está a virtude :p

Ivar C disse...

alexandra, passa por aí, sim: :)

euexisto disse...

estou apaixonado pelo teu blog.

(vénia)

Ivar C disse...

euexisto, :)