da liberdade do Amor
Se há alguma coisa importante que o Amor nos ensina é que podemos viver a vida toda alimentando-nos da esperança. Acho até que a maior parte dos Amores que vivemos não passam disso mesmo, de esperanças que nascem e morrem na nossa vida como as folhas das árvores, aquelas que respiramos na Primavera e depois vemos desfazerem-se secas no tapete que o Outono tece. É por isso que esta não é uma história de Amor, é uma história de esperança.
Amei uma mulher durante dois anos e durante dois anos persegui esse Amor como se persegue um fantasma que se evapora em cada esquina. Ela sempre foi exímia naquilo que é uma característica comum a quase todas as mulheres do mundo, e que passa pela capacidade de, num só minuto, ressuscitar num homem a crença de pode gostar gostar dele. Digo 'pode', porque a maior parte do tempo entretém-se a evaporar essa vã miragem do Amor.
Lembro-me, por exemplo, de lhe telefonar todos os dias durante duas semanas para tentar marcar um jantar, um passeio, um café que fosse, e de ela fugir a essas tentativas de aproximação como se fosse capaz de passar pelos pingos da chuva. Com delicadeza, mas também com uma distância na voz que me despia a alma. Era, aliás, de alma nua que lhe deixava de telefonar e acabava sempre por me enganar noutro qualquer efémero e despovoado Amor. E era também de alma nua que acabava por ser ela a arranjar uma desculpa para vir ter comigo. O mundo parecia sorrir para mim de novo, mas com o tempo percebi que nunca passava de um sorriso amarelo, daqueles que se transformam em cepticismo muito antes de nos habituarmos a ele, já que nas duas semanas seguintes a ausência voltava a povoar-me qualquer expectativa que ainda pudesse ter.
Deixei de amar numa terça-feira de manhã, quando ela me telefonou para me convidar a tomar o pequeno-almoço e eu fiz mais de setenta quilómetros com o rádio do automóvel no máximo, como se o volume da música fosse o volume da minha felicidade. Cheguei ao café com vinte minutos de antecedência e duas horas depois ainda lá estava. Sozinho, que ela nunca chegou a aparecer e acabou por me mandar uma mensagem a pedir desculpa por entretanto se ter esquecido de mim. Nesse dia o sorriso não se desfez. Pelo contrário, fortaleceu-se. Deixei a esperança no café e saí pela cidade para celebrar a minha liberdade, como um recluso que acaba de cumprir o último dia duma pena de prisão. Já não a amava, já não tinha esperança.
Percebi depois que aquela inconsistência era um poço sem fundo. Com o seu fim diminuíram os meus encontros fortuitos e inconsequentes, porque no fundo deixei de precisar deles. Além disso varri do meu cérebro tanta informação que percebi que até então já não tinha espaço para armazenar praticamente mais nada. Era como sótão cheio de coisas que não servem para nada. E foi assim, com o sótão praticamente vazio, que me apaixonei de novo, numa coincidência que muitos dos leitores que aqui vêm já conhecem e que me ensinou também que um homem pode alimentar-se da esperança.
40 comentários:
Não concordo...a esperança existe enquanto não se encontra o verdadeiro amor. Quando se ama pode-se despedir a esperança!
xm, bem... eu amo e tenho esperança de o poder continuar a fazer. :)
Quando nos libertamos de um Amor doente, que nos destrói, a esperança dá lugar à certeza. Certeza de que seremos mais felizes, por exemplo. É um sentimento libertador.
"Sozinho, que ela nunca chegou a aparecer e acabou por me mandar uma mensagem a pedir desculpa por entretanto se ter esquecido de mim."
Desculpe-me a franqueza, mas...
Que parvalhona.
Na maioria das vezes alimentamos o amor com esperança sozinhos...e não é fácil o momento em que ela se perde. Beijos
Eu continuo a alimentar-me dela... todos os dias há um ano e meio. Todos os dias desejo perde-la, livrar-me dela... mas não sei como:s
É por isso que para 2011 desejo (com todas as forças que tenho) conseguir perder a esperança e amar:) Beijinho e bom 2011:)
Eu tenho esperança que este amor que sinto, continue a sê-lo um dia de cada vez sem pressas ou atropelos.
Sim tenho esperança de ficar mais perto dele, sim tenho esperança no nosso próximo reencontro e sim tenho esperança no amor a cada dia que passa, porque amar e/ou gostar é ter esperança de ser correspondido na mesma medida.
Adorei o texto
Sincero Abraço
Com carinho e ternura
Boas festas
Sairaf
alexandra, exactamente. :)
ejsantos, obrigado. aí está outro processo libertador. :)
pipoca dos saltos altos, pois não. e eu acho que podemos aprender a não perdê-la. mesmo quando a perdemos. :)
sofia, o processo natural da vida... obrigado.bom 2011. :)
sairaf, obrigado por me compreenderes. :)
Subscrevo inteiramente e falas do que eu disse num post que fizeste: as tais construções de prédios apenas com baralho de cartas, que durante dois anos ias acrescentando mais uma numa procura constante/doentia e quando deste por ela...e aqui é que está o busílis da questão...não havia amor algum e sobrava um sótão "cheio de coisas que não servem para nada" que foi preciso varrer. Com a derrocada é preciso deixar assentar a poeira e com sentimentos mais fortes e sólidos...aconteceu de novo e sobretudo com um belo ensinamento: um homem ou mulher "pode alimentar-se da esperança" mas com os pés bem assentes na terra e ambos completarem-se num aprendizado constante.
Sejam muito felizes e continuem a construir o vosso "castelo" com o que de facto merece a pena.
Um abraço, e adorei!
eu tenho um pouco de esprança de um dia encontrar o tal AMOR, mas está a diminuir cada vez mais...
vale que existem outros tipos de amor na vida :)
Amor é isso mesmo uma esperança...de um dia sermos amados em igual sentimento... muitas vezes ou a maioria das vezes tal não acontece...
"Ela sempre foi exímia naquilo que é uma característica comum a quase todas as mulheres do mundo, e que passa pela capacidade de, num só minuto, ressuscitar num homem a crença de pode gostar gostar dele. Digo 'pode', porque a maior parte do tempo entretém-se a evaporar essa vã miragem do Amor." - Aqui digo-te que nem só as mulheres têm essa capacidade...nós homens quando somos amados sem amar...também gostamos de "as prender" sem as aprisionar...
Sou mais uma que passou pelo mesmo.
Durante quase dois anos falei com ele todos os dias. Várias vezes ao dia.
Alimentava-me dessa mesma esperança.
Como a distância é muita, alimentava-me também das vezes em que os encontros (entre um ponto e outro) se porpocionavam. Fortuitos, com sabor amargo.
Despedi-me dessa esperança no dia em que não me quis na sua cidade.
Passei a ter certezas. Tive a certeza de que me enganava a mim mesma e do que não queria.
Essa liberdade que me permiti viver trouxe-me o meu actual companheiro. E com ele sim, tenho a esperança de que o Amor se renove todos os dias. :-)
Como diria a minha avó: "Há males que vêm por bem".
Beijinho,
M.
Levo um susto ao ler isso logo hoje. Logo no penúltimo dia do ano... Na hora de fazer a lista do que desejo ano que vem...
Comentei sobre isso ontem mesmo...
Há 10 anos, um dos pontos da minha lista varia entre "esquecê-lo", "tê-lo perto", "resolver a situação"... Quem sabe esse ano seja "liberdade" ou "2 horas esperando no café". Hehe.
Espero que alguma coisa mude. Acreditando naquele poder psicológico maior do ano novo. hehe
Obrigada pelo texto
Feliz 2011
fatyly, obrigado. :)
paula, essa esperança que é tua, não vai desaparecer. :)
eu sou eu, sim, nós também o fazemos. :)
M, sim... temos isso em comum. beijinho. :)
Nathalie Ouchi, eu é que agradeço a tua presença. :)
um dia deixamos de esperar Bagaço!
eu preferia que fosse mais cedo que mais tarde... :)
Há bem pouco tempo fiz mais de 200km para tomar um simples café com alguém que me disse que afinal não podia porque tinha outro compromisso. Não foram 2 mas 3 anos de esperança que morreram em poucos minutos. Incrível como as histórias de vida se vão repetindo constantemente. Fico à espera que o resto da tua história se repita comigo também...
E que o novo ano que vai iniciar te traga mais inspiração para continuares o blog. :)
paula, as nossa preferências nem sempre correspondem às nossas vontades, pois não? bom ano, paulinha. :)
anónima, obrigado. e sim, as histórias da vida são como um relógio. repetem-se. bom ano. :)
Escreve tão estupidamente bem que faz com que pareça fácil :)
Parabéns pelo blog, é uma das minhas leituras diárias!
E já agora, um 2011 cheio de esperança :D
joaninha, obrigado. pela presença e por essa simpatia sem limites. e um grande 2011 também. :
Obrigada por um ano em que fiz deste blog leitura diária...e encontrei nele histórias de humor, amor, vida e meditação...
Hoje encontrei esperança neste sítio... às vezes agarramos algo por medo do vazio...mas esse algo apenas deixa o copo meio cheio...como li num livro e já o disse noutras ocasiões... Porque não pedir a Lua?
Se me permitir partilhar consigo aqui...este ano eu peço a Lua... :)
mikashi, obrigado pela presença, que a mim me sabe tão bem. e o pedido da Lua foi deferido. Segue agora o seu normal percurso burocrático pelas vontades e corações de quem de direito. :)
Subscrevo o que a Alexandra disse. Não tinha conhecido amores doentes até hoje. Libertei-me de uma doença da alma que me asfixiava o bater do coração. Logo de seguida, apanhei uma gripe que me ia matando. Percebi que estas febres superam-se melhor que as da alma. A esperança é o que nos move. Quer em direcção à liberdade, quer para longe de um amor doente. Parabéns pelo texto e um ano maravilhoso para ti. Que continuemos a ler-te por muitos e felizes posts.
Este texto foi muito forte; dá para ver como os teus leitores (eu incluido) reagiram.
Já agora, caro Ivar: feliz ano novo.
cassandra, obrigado. não imaginas como preciso da Vossa presença aqui. bom ano. :)
ejsantos, obrigado. um bom ano para ti também. :)
Tenho uma história muito parecida.
Não terminei sorrindo, mas deu, sim, uma sensação de liberdade.
Estranho isso de como o amor pode escravizar a gente assim.
Adoro seus textos! Você consegue pôr uma harmonia muito bonita neles e de algum jeito eles me lembram dança. Ou música instrumental.
su, obrigado. :)
Há mulheres e homens que são peritos nos jogos de manipulação e que só se interessam por alguém quando lhes serve o ego, ou a pontua lnecessidade de afirmação. Bom que não tenhas ficado preso aos cordéis de marioneta! :)
malena, é verdade, isso... :)
Os meus votos para o Bagaço para 2011 é que seja um ano muito catatónico.
(eu cá tentarei manter a esperança que o amor cupídico exista efectivamente)
CR
Este post lembrou-me de um livro que li recentemente no qual havia uma passagem que me fez todo o sentido e se referia ao facto de o amor se passar sobretudo na imaginação...
Ou seja, fantasiamos com isto ou aquilo e muitas vezes com bases tão frágeis, e o tempo passa com base em ficções...
Enfim, apenas para dizer que o que vale a pena manter é o amor real e não o amor ficção, que desejamos e mantemos muitas vezes perdendo oportunidades de amor real e reciproco!
Enfim, gostei mesmo muito deste post!
Ah, um excelente 2011 para ti e que neste ano continues a oferecer-nos estes momentos que nos fazem pensar, rir, sorrir, emocionar!
;o)))***
cr, obrigado. bom ano para ti. :)
l, obrigado. bom ano para ti também. que livro é esse? :)
muito forte, muuuuuito forte...
o engraçado é que se tirares 4 ou 5 frases deste texto, contas uma historia que se passou comigo recentemente.
depois de ler isto finalmente senti a tal liberdade de que falas no fim... e de todos textos teus que já li, tas a ficar cada vez melhor rapaz... aposta em ti, és um Sr. escritor
mr.z, não deixa de ser curioso haver tanto em comum entre tantas pessoas :)
Esperança de encontrar um novo amor...
como hacer el amor, :)
"não deixa de ser curioso haver tanto em comum entre tantas pessoas" : é assim que nascem os clichés. Os quais posteriormente são desvalorizados pelas pessoas por serem "apenas clichés". Até ao dia em que passam pelo mesmo.. ;)
alexandra, lol. isso é certo. :)
Nos últimos meses a viagem entre Praga e Oslo fez-se tantas vezes quanto possível, sempre na incerteza do que iria lá encontrar, as esperanças, foram-se confirmando a si próprias merecedoras da incerteza que as consumia, hoje não sei como será, tudo é tanto mais incerto ainda por saber que uma distância nao do amor, mas de momentos que nao podem ser partilhados na íntegra,mas que a esperança me alimente a alma é tudo o que peço enquanto a distancia vai ditando as regras, quando será o proximo encontro?
Obrigado bagaço por nos trazeres mais uma "história" que pelos vistos tantas vezes se repetiu, à sua maneira, em tantas vidas.
beijo, Valéria
Bagaço:
Chama-se "A praia do Destino" de Anita Shreve, da ASA.
Muito bom o livro!
;o)))***
valéria, obrigado pela tua presença. à parte, já conheço Praga mais ou menos, mas estou ansioso por conhecer oslo. :)
pearl, obrigado. :)
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