respostas a perguntas inexistentes (224)
do que falamos quando falamos de Amor, de amizade e mais do que vocês quiserem...
O que eu vos vou contar a seguir terá,
a meu ver, um grande interesse para alguns de vocês e nenhuma importância para outros. Na verdade, é normal que seja assim. Uma
das poucas coisas que aprendi na minha vida é que é assim que
podemos encontrar os nossos melhores amigos. Dizendo o que
realmente nos vai na alma e perceber quanto é que isso pode
interessar aos outros.
Eu estou convencido que há um processo
filosófico em tudo aquilo que fazemos, desde as acções mais
corriqueiras e quotidianas até às opções que se fazem para uma vida inteira. Por exemplo, acho que há filosofia na forma
como um homem apanha o autocarro todos os dias para ir para o
emprego, da mesma forma que há no acto de decidir casar com alguém.
Posso estar errado, mas tenho reparado
com admiração na forma como a minha companheira alterou a sua vida
em função da cadela que adoptámos recentemente. Levanta-se todos
os dias mais cedo para a levar a passear, enquanto eu fico a roncar
mais uns minutos. Não imaginam a admiração que eu tenho pelo que
ela faz, mesmo que resmungue por dentro quando acordo por momentos
com a confusão de a sentir a vestir-se e ter um cão aos pulos e a
arfar dentro do quarto.
Aquilo que a Raquel fez é, de facto,
uma opção filosófica É verdade que também tem uma carga
emocional muito grande, mas acredito que esse seja o denominador
comum em tudo aquilo que fazemos. Ela considera, mesmo que não o
diga, que está a contribuir para um mundo melhor dando a
oportunidade a um cão de ter uma vida também melhor, e faz realmente por
isso.
Mas o que eu vos queria mesmo contar
tem a ver, precisamente, com a razão pela qual me tornei bastante
próximo duma mulher, já há uns anos atrás, e de quem cheguei a
ser íntimo por algum tempo. Mulher essa, aliás, com quem ainda hoje
mantenho um contacto mais ou menos regular para, como se diz na
gíria, pôr a conversa em dia.
Houve uma fase na minha vida em que,
apesar de me sentir bastante só, tinha uma vontade enorme de estar
sozinho. Estar sozinho e sentir solidão são coisas completamente
diferentes, como devem saber. Por isso mesmo o que eu queria, ou
pensava que queria, era apaixonar-me seriamente por uma mulher para,
de vez em quando, afastar-me dela e poder gozar esse momento na sua
total plenitude.
Nos comboios, por exemplo, preferia
viajar sozinho do que com alguém ao meu lado. Arranjei então um
método para que isso pudesse acontecer o maior número possível de
vezes. Quando eu entrava no comboio e já não havia grupos vazios de
cadeiras, procurava sentar-me ao lado de alguém que não
tivesse tirado o casaco. A razão era muito simples. Quem não tira
o casaco é porque vai fazer uma viagem curta e, assim, sairia antes
de mim, havendo consecutivamente uma maior probabilidade de eu fazer
parte da viagem sozinho.
Lembro-me que uma vez entrei na estação
de Aveiro e, tendo em conta o meu método, sentei-me ao lado de um
homem que levava uma gabardina apertada e um guarda-chuva na mão.
Pensei que ele fosse sair numa das estações seguintes, mas a
verdade é que foi assim até à última estação de todas, no Porto,
a mesma em que eu saí. A partir daí tornei a cruzar-me com o homem,
sempre totalmente vestido e em viagens de comboio, mas nunca mais me
sentei ao pé dele.
Uma noite contei esta história no
café, entre um grupo de amigos, e ninguém me deu importância
nenhuma. Um deles, já com três ou quatro cervejas bebidas,
perguntou-me mesmo porque é que raio eu estava a contar esta
história que não tinha interesse nenhum.
No entanto, uma mulher de quem eu nem
sequer era grande amigo quis continuar a conversa, e explicou-me que
também tinha um método para se sentar nas viagens de comboio.
Disse-me ela que gostava de escolher cadeiras que estavam
ocupadas por coisas. Há passageiros (já reparei nisso com alguma irritação) que, provavelmente também para irem
sozinhos, sentam-se num sítio qualquer e depois ocupam as cadeiras
ao lado com malas ou casacos. A Guida, assim se chama ela, disse-me que sempre que
reparava numa coisa dessas, aproximava-se e pedia muito delicadamente
para desocuparem a cadeira, para ela se sentar.
Nessa noite ficámos grandes amigos,
penso eu que pelo simples facto de sermos capazes de ter uma
conversa sobre o método que usávamos para nos sentarmos num
comboio. Pode parecer-vos estranho, mas para mim isto faz todo o
sentido. Foi sempre assim que acabei por fazer amigos ou até encontrar namoradas, através do que considero ser uma
compatibilidade semântica entre pessoas.
Este blogue acaba por ser um bocado
isso. Não tem um fio condutor. Às vezes invento aquilo que
escrevo, outra vezes não. Às vezes sinto-me feliz, outras vezes
triste. Muitas vezes, quase sempre, o que eu queria era poder
contar-vos cara a cara aquilo que escrevo, embora às vezes também
prefira estar sozinho e simplesmente escrever. De qualquer maneira, é disto que eu acho que falamos quando falamos de Amor, de amizade e mais do que vocês quiserem...
35 comentários:
Compatabilidade semântica. E lá há mais alguma coisa? Very true.
Pois...e é exactamente por essa compatibilidade semantica que eu cá venho :)))
Porque me sinto à vontade de vir ou não vir, comentar ou não comentar, identifico-me com os textos e estados de alma....porque tambem eu vejo assim a vida...
beijinhos amigo semantico :)))
me, :)
quase nos "entas", beijinhos amiga semântica. :)
Por isso há as "nossas pessoas" e as outras pessoas! :))
Aquecem-nos a alma, as tuas palavras!
Obrigada! :))
malena, obrigado pela presença, digo eu. :)
Quando olhei para este post pensei: 'não vou conseguir lê-lo' porque nunca consigo ler um texto na blogosfera tão grande sem me desconcentrar e desito.
Extraordinário, isso não aconteceu, deve ser por causa da compatibilidade semântica.
kiss
Olha, o o indice???
Esqueceste-te de sair do 16?
Susana
carmo, obrigado. kiss. :)
susana, dá-me tempo, dá-me tempo... :)
Escreves tão bem :) Não me canso de ler e reler :)
flow, obrigado. é bom ter-te aí. :)
Não te conheço pessoalmente, como sabes sou bem mais velha do que tu e com 61 anos podia ser tua mãe...e gosto de vir aqui, porque já lia nos antigos "esqueci-me o nome-seria MSN?" em que o Ivar Corceiro desafiava a escreverem sobre determinado tema, o que fiz algumas vezes e aprender, aprender a visão actual dos mais novos, como digo sempre "numa de não perder o comboio".
Também leio sempre o teu blogue da política:)
Por falar em comboio, formei um grupo de 18 elementos que durante 20 anos foi o "fim da picada" em termos de alegria, conversa, discussões, leituras e até havia quem jogasse às cartas. A viagem demorava 1 hora e tal quando não empacava e chegava às 3 e 4 horas:)
Foi imensamente gratificante, onde digo-te que no pior período da minha vida e sem lamechismos, tive apoios de GRANDES AMIGOS(AS) que ainda hoje quando nos encontramos ocasionalmente...é uma festa.
Não havia opções de... havia a obediência a uma fila, mas o cuidado que tive e sempre foi respeitado por todos, é que grávida da minha filha mais nova era ir de costas no sentido do comboio devido às enumeras pedradas e assim os vidros não bateriam em mim e na minha barriga.
Hoje por serem muito menos morosas...é tudo impessoal, tudo com phones e quando vou quero lá saber disto ou daquilo, quero ir sentada e de preferência na primeira carruagem onde há mais segurança, jamais a ter que gramar a música "bate latas" de alguns jovens e ou com seus berrinhos tão palermas e pés em cima dos bancos. Quando assim é peço licença e sfv limpe o banco e assento-me. Nunca levei uma má resposta!
Os amigos podem surgir de onde menos esperamos e são bons enquanto duram mas os verdadeiros ficam...para o bem e para o mal e felizmente tenho vários!
Também gostaria de contar-te isto cara a cara e TODOS NÓS DEVERIAMOS FAZER ALGO PARA MELHORAR O CIVISMO E CORDEALIDADE E EDUCAÇÃO com quem nos cruzamos...que para mim não tem nada de filosófico como se assentam, como andam, como agem...todos diferentes...mas todos iguais em termos de rituais:)
Ter-se um animal deve ser sempre no sentido de + um elemento da família...e gostarias de ficar fechado todo o dia?
Num apartamento só tive um gato e cão jamais...porque a obrigatoriedade é essa que referi...mas a meu ver são eles que nos passeiam e não nós a eles e basta ver que são eles que nos puxam loll
Gosto de ti, da Raquel, da cadelinha e é verdade o que é feito do teu gato?
Vou dormir:):):)
Olá fatyly, começo pela parte má. O meu gato fugiu-me e nunca mais apareceu. Mas concordo contigo, os amigos surgem de onde menos se espera, e às vezes do nada surge o que é essencial na nossa vida. :)
Yup. Isso mesmo.
A importância está nos detalhes e em quem os nota.
Também sempre *escolhi* amigos por empatias que mais ninguém entendia senão nós.
Compatibilidade semântica. É por aí. :)
anónimo, boa. :)
Bagaço, hoje apetece-me fazer um pedido de um post. O que pensas da noticia http://www.jn.pt/PaginaInicial/Seguranca/Interior.aspx?content_id=2842406.
É que eu não percebo como algumas mulheres tentam ser cegas...
anónimo, eu até acho que isto é só uma historieta familiar, que se podia ter passado com um homem. Não dês importância... :)
Há pessoas que, por alguma razão, ocupam o lugar de dentro dos transportes deixando o lugar ao lado da janela vazio. São aquela muralha entre o corredor e a janela. Eu vejo-a como uma espécie de bullying, pois a maior parte das pessoas prefere sentar-se noutro lado do que falar com alguém para lhe pedir que o deixe passar para sentar. Pode também ser uma forma de tentarem viajar sem que ninguém se sente ao lado. Ou então, vão naquele estado de espírito de manada em que o medo de não ter tempo para sair é maior do que o civismo.
Eu também tenho um método para me sentar nos transportes. Podem estar muitos lugares vazios, mas se vir um bully a guardar um lugar à janela, eu chateio e sento-me lá. E a maior parte das vezes, têm de se levantar duas vezes (quando eu me sento e quando me levanto para sair). Porque se pensam que estas pessoas se sentam na ponta porque vão fazer uma viagem curta também estão enganados. :)
Beijos Ivar. Saudades.
Compreendo.
Ás vezes imagino que ninguém compreenderá o quanto gosto do compositor John Barry e o quanto me emociono com as suas composições para grandes clássicos do cinema.
É um exemplo simples dentro do que nos fala o texto.. :)
Interesante o texto. Também penso nisto.
Como começar uma conversa? De que iremos falar? Como conseguiremos comunicar uns com os outros?
Como iremos estabelecer relações uns com os outros?
Bem, gostei do texto e adorei a expressão: "Compatabilidade semântica"
EJsantos
ßrighid, isso também me irrita profundamente. no fundo é mais ou menos o mesmo princípio da Guida. beijinho. :)
Kowalski, olha, eu compreendo-te. o África Minha é um dos filmes da minha vida, com a banda sonora incluída. :)
ejsantos, essa expressão é A expressão. :)
engraçado que as pessoas que me são próximas são aquelas com quem tenho conversas sobre coisas que normalmente ninguém repara. são pessoas que veêm o amor nos pormenores.
a forma como agimos, como nos movemos é algo tão magico. e a vida mesmo com todos os defeitos que lhe reconhecemos pode ser algo tão espectacular.
E por falar em amor...um link aqui do Brasil: http://migre.me/bkyJC de um cara que adora as mulheres e sempre tem textos legais. Talvez já conheça: Xico Sá...vale a pena.
paula, eu também tenho essa sensação. :)
kelly, não conhecia, não. Mas gostei mesmo muito. Obrigado. :)
a 'compatibilidade semântica' encerra em si um dos mistérios sopbre os quais me debruço, já não amiúde pois nunca lhe cheguei a conclusão definitiva. Porque é isso nos acontece com algumas pessoas com quem falamos ou que neste caso lemos, e não com outras que ou até são do nosso 'sangue' ou até temos uma ligação quimíca mas em que essa compatibilidade semântica não acontece?...mistérios insondáveis da alquimia do ser.
ADORO este blog!
linhas cruzadas, obrigado. não creio sequer que possa haver uma conclusão definitiva. :)
venho cá com regularidade mas é muito raro comentar. Só queria dizer que gostei mesmo deste post. Tanto do conteudo como da forma como está escrito, como do encadeamento das ideias. :)
sheknows, obrigado. :)
:) pois, tão simples como isso. é na partilha das pequenas coisas que está a magia.
moranguida, :)
A malta pergunta o que tanto tenho para falar com a minha namorada. Tem a ver com o assunto deste texto, tuo o que ela diz me interessa e sei que posso dizer o que quiser que ela me vai ouvir e acabar por entender.
O amor é estranho, por ser-nos tão único e ter uma natureza tão global. O amor não é dificil, dificil é achar a pessoa certa para amar.
h.santos, é o mais difícil, sim... encontrar uma pessoa que consideremos A pessoa. Mas o tempo também nos prega partidas. :)
Cumplicidade semântica! :)
carla isabel, :)
Eu sou chata, confesso. Não gosto de ter desconhecidos a menos de 20 cm de mim. Mas aqueles que no meio de tanta opção escolhem sentarem-se precisamente ao meu lado são ainda mais chatos do que eu. Não percebo qual a satisfação que retiram disso! Só podem ser chatos ao cubo! Quando isso acontece levanto-me com um sorriso e sento-me sozinha noutro sítio. :)
Se eu não puder ir sentada sem alguém a respirar para cima de mim e a roçar-se a mim, prefiro ir de pé!
Quando o comboio vai mesmo apinhadinho não tenho outro remédio senão esperar que a viagem passe rapidamente. :/
anónima, um livro ou um leitor de mp3 pode dar tanto jeito. :)
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