coisas que fascinam (154)
a mulher de avental vermelho
Este não é um mundo de Amor.
Hoje sentei-me, logo de manhã, numa mesa do café onde habitualmente ingiro a minha única dose diária de cafeína. A empregada, sempre com aquele avental vermelho que lhe desenha as formas, veio trazer-ma a sorrir. É simpática e bonita, e foi com ela que me apercebi que já não vejo ninguém a sorrir há algum tempo. Foi um estalo na forma como eu próprio me tenho olhado ao espelho todas as manhãs quando lavo a cara. Sem sorrir. Sei que são sempre mulheres a dar-me estaladas destas.
À minha frente, à distância de uma mesa vazia, uma outra mulher mais velha aninhara a sua cabeça na palma da mão. A sua quietude assemelhava-se em tudo a uma estátua que olhava para o horizonte, e eu acompanhei instintivamente o percurso desse olhar. Ia dar a uma máquina de tabaco com um autocolante a avisar que fumar mata prematuramente. A vida também, pensei.
O avental vermelho, com dois seios comprimidos e um doce cheiro a perfume de mulher bonita, debruçou-se sobre a minha mesa para a limpar. Vi uma mão fina passar um pano húmido sobre a superfície negra e depois a chávena de café pousar delicadamente como se fosse uma nave extraterrestre. Por um dia que seja, às vezes apetece-me Amar uma mulher eternamente.
- Oh dona Laura! Que olhar tão triste é esse? Vá para casa ter com o seu homem, que está à sua espera... - disse enquanto se virava para a mulher-estátua, ficando de costas para mim.
- O meu marido?! - respondeu - Este mundo não é um mundo de Amor...
Um rabo pode ser uma escultura perfeita. E eu sorri. Tem piada, há muitos dias que não me vejo a sorrir ao espelho, mas hoje sorri-me a um rabo, de mãos nas ancas como quem manda no mundo. Peguei na chávena de café e abracei-a com uma das mãos, para as aquecer.
- Pois não! - Tornou a dizer o avental - Não é um mundo de Amor. Por isso é que nos temos que apaixonar, para fazer o nosso próprio mundo.
E eu, por dois minutos, apaixonei-me para sempre.
18 comentários:
Pequenos momentos que dão outro significado aos dias :)
Como eu gosto... :)
" ...temos que apaixonar, para fazer o nosso próprio mundo." - muito bom. Concordo em absoluto, se tivermos a força da paixão seja ela pelo que for é muito mais fácil levar o barco, mesmo que em temporais danados como os que estamos a viver de momento. Se desanimarmos, se nos esquecer-mos de sorrir, vai ser bem pior.
Viva a sabedoria do avental vermelho.
Como sempre é muito bom passar por aqui e ler o que escreve.
As tuas palavras... :D e como coisas simples podem mudar por instantes o humor de alguém!
:) excelente começar o dia assim
Gostei imenso e há de facto coisas simples que nos fazem sorrir e abrir a pestana...que sem um sorriso não vamos a lado nenhum!
Nunca podemos deixar de sorrir. O sorriso é a luz que nos ilumina a alma.
Deixo-te um beijo...e um sorriso:)
never told words, obrigado. :)
eli, obrigado. :)
moranguida, obrigado. :)
aNamartins, obrigado. :)
fatyly, é isso mesmo. :)
AC, obrigado. beijo. :)
Também me apaixono assim, nos cafés, no comboio, nos autocarros... parecendo que não a fé na humanidade ainda é possivel e a fé no amor ainda existe no cerne do coraçao das pessoas!
eva maria, pois existe. de repente acredito em qualquer coisa. :)
É bom saber que ainda há alguém com tempo para ter consciência que é preciso sorrir. E para se apaixonar...
Um abraço.
carlos alvenel, sorrir é o nosso último reduto. :)
"E eu, por dois minutos, apaixonei-me para sempre."
O simbolismo desta frase é brutal, isso é que é fechar um texto ;)
h.santos, obrigado. :)
adorei ;) obrigada!
adorei ;) obrigada!
kelly, eu é que agradeço. :)
Ahh, é sim.. no fundinho, um mundo de amor!
luma, :)
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