7.19.2009

astronauta

Entretanto enferrujou, a varanda onde me lembro de a ver a despedir-se de mim. Normalmente fazia-o lançando um beijo que nascia do toque dos seus lábios com a palma da mão direita. Eu ligava o motor e abria os vidros do carro para o beijo poder entrar. Depois arrancava com a mesma sensação que um astronauta tem quando é lançado no espaço: a de que se está apartar do seu mundo.
Entretanto também a nossa relação enferrujou. Ela deixou de vir à varanda enviar-me beijos, ficando-se por um tímido sorriso antes de fechar a porta do apartamento. Acho que durante algum tempo ainda espreitava pelo óculo para me ver enquanto esperava o elevador, mas com o tempo até isso deixou de fazer e eu também fui perdendo a sensação do astronauta.
Ainda não percebi porque é que vim até aqui neste fim de tarde. Sei que estou há alguns minutos a olhar para a varanda duma casa abandonada. Acho que talvez o vazio que entretanto a povoou me povoa também a mim, pelo menos às vezes. Sei que daqui a alguns minutos, quando ligar o carro e iniciar a condução em direcção à casa da minha companheira, me vou sentir de novo um astronauta. Um astronauta que está a voltar à Terra.

13 comentários:

Anónimo disse...

O vazio, por vezes, é enriquecedor. Desperta sensibilidades!

Poxa... Agora que percebi isso! LOL

Um beijo.

Rach disse...

adoro histórias assim...meias feitas, meias desfeitas

Ivar C disse...

Gigi, é isso mesmo... era o que eu queria dizer. :)

rach, exacto... a dar para dois extremos que se tocam. :)

entremares disse...

-Sabes, Joãozinho, o teu pai está lá em cima...
- O pai morreu?
- Não... não morreu. Foi até à lua, mas depois vai voltar..
- Tens a certeza, mãe ?
- Claro que tenho a certeza. Estaremos aqui à espera dele... sempre.
- Vale a pena esperarmos pelo avô ? Ele também foi lá para cima...


Enfim, coisa de crianças...
Um abraço. Bom regresso a casa, astronauta.

Ivar C disse...

entremares, :)

calamity disse...

Huston, we got a problem...

R. disse...

"Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz" está escrito algures numa letra do Carlos Tê para o Rui Veloso mas, desconfio, nem é original do Tê. E há bastante sabedoria nestas palavras.

R.

Unknown disse...

Gostei, Bagaço.

Ana Alvarenga disse...

É, enferruja...talvez porque metemos muita água...ou talvez não! Todos gostamos de ir à Lua, o pior é quando a Terra nos chama...

Closet disse...

Há aqueles que voltam à Terra...outros que ficam por lá :) ainda bem que voltaste! adorei o texto

Vocas disse...

Adorei este blogue!

nada desta vida disse...

bonita história. (só não gosto da palavra companheira. embirro. mas tu gostas não é? pois)
beijos bagaço e boa semana*

Ivar C disse...

calamity, lol. :)

R, essa frase não é do Tê, não... é uma expressão popular ou coisa parecida. e sim, há sabedoria popular nela. :)

joão pedro, obrigado. :)

A Tela, acho que não enferruja obrigatoriamente por metermos água... enferruja por tudo neste ecossistema é oxidante. :)

closet, obrigado. :)

vocas, obrigado. :)

subtilezas, gosto sim... é a minha preferida. boa semana... lol :)