astronauta
Entretanto enferrujou, a varanda onde me lembro de a ver a despedir-se de mim. Normalmente fazia-o lançando um beijo que nascia do toque dos seus lábios com a palma da mão direita. Eu ligava o motor e abria os vidros do carro para o beijo poder entrar. Depois arrancava com a mesma sensação que um astronauta tem quando é lançado no espaço: a de que se está apartar do seu mundo.
Entretanto também a nossa relação enferrujou. Ela deixou de vir à varanda enviar-me beijos, ficando-se por um tímido sorriso antes de fechar a porta do apartamento. Acho que durante algum tempo ainda espreitava pelo óculo para me ver enquanto esperava o elevador, mas com o tempo até isso deixou de fazer e eu também fui perdendo a sensação do astronauta.
Ainda não percebi porque é que vim até aqui neste fim de tarde. Sei que estou há alguns minutos a olhar para a varanda duma casa abandonada. Acho que talvez o vazio que entretanto a povoou me povoa também a mim, pelo menos às vezes. Sei que daqui a alguns minutos, quando ligar o carro e iniciar a condução em direcção à casa da minha companheira, me vou sentir de novo um astronauta. Um astronauta que está a voltar à Terra.
13 comentários:
O vazio, por vezes, é enriquecedor. Desperta sensibilidades!
Poxa... Agora que percebi isso! LOL
Um beijo.
adoro histórias assim...meias feitas, meias desfeitas
Gigi, é isso mesmo... era o que eu queria dizer. :)
rach, exacto... a dar para dois extremos que se tocam. :)
-Sabes, Joãozinho, o teu pai está lá em cima...
- O pai morreu?
- Não... não morreu. Foi até à lua, mas depois vai voltar..
- Tens a certeza, mãe ?
- Claro que tenho a certeza. Estaremos aqui à espera dele... sempre.
- Vale a pena esperarmos pelo avô ? Ele também foi lá para cima...
Enfim, coisa de crianças...
Um abraço. Bom regresso a casa, astronauta.
entremares, :)
Huston, we got a problem...
"Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz" está escrito algures numa letra do Carlos Tê para o Rui Veloso mas, desconfio, nem é original do Tê. E há bastante sabedoria nestas palavras.
R.
Gostei, Bagaço.
É, enferruja...talvez porque metemos muita água...ou talvez não! Todos gostamos de ir à Lua, o pior é quando a Terra nos chama...
Há aqueles que voltam à Terra...outros que ficam por lá :) ainda bem que voltaste! adorei o texto
Adorei este blogue!
bonita história. (só não gosto da palavra companheira. embirro. mas tu gostas não é? pois)
beijos bagaço e boa semana*
calamity, lol. :)
R, essa frase não é do Tê, não... é uma expressão popular ou coisa parecida. e sim, há sabedoria popular nela. :)
joão pedro, obrigado. :)
A Tela, acho que não enferruja obrigatoriamente por metermos água... enferruja por tudo neste ecossistema é oxidante. :)
closet, obrigado. :)
vocas, obrigado. :)
subtilezas, gosto sim... é a minha preferida. boa semana... lol :)
Enviar um comentário