12.02.2008

e depois do amor?

E depois do amor? Deixamos de ser nós e passamos a ser uma recordação de alguém. O uísque saboreia lentamente a secura dos meus lábios enquanto lhe tento explicar o que é o depois do amor. Ele quer saber porque acabou agora uma longa relação mais ou menos da mesma forma que eu. Já se serviu de novo e espera que eu lhe explique o que passei. Acompanho-o. Bebo o meu também de uma só vez e sirvo-me de novo.
E depois do amor? Podia ter-me perguntado outra coisa qualquer. O resultado dum jogo de futebol, por exemplo, porque não tinha tido tempo ver na internet. Mas não, fez-me uma pergunta cuja resposta devia estar escrita no tempo. No tempo da nossa espécie, no tempo da nossa vida, no tempo dos nossos amigos, noutro tempo qualquer. Mas não está. E depois do amor? Não o olho de frente quando respondo, talvez por falta de coragem: deixamos de ser nós e passamos a ser uma recordação de alguém.
E depois do amor? Depois do amor não sabemos onde começa e acaba o nosso corpo. Por exemplo, não sabemos se este balcão onde nos apoiamos embriagados é nossa parte orgânica ou não. Talvez não, mas quando o abandonamos e vamos sozinhos para casa é como se fosse. Faz-nos falta um apoio qualquer e, também do balcão, passamos a ser uma recordação. Ainda que turva.
E depois do amor? É sempre assim? Não, não é. Ele diz-me que, se somos uma recordação, a kodak acha que recordar é viver. A kodak que se foda, respondo-lhe. Ele afasta o cabelo da frente dos olhos como se assim pudesse limpar a tristeza que se alojou nos olhos. Dentro dos olhos. Todos temos que ter um história de amor falhada nesta vida. Se não tivermos não passamos por ela. Pela vida, digo.
E depois do amor? Depois do amor deixamos de ser nós e passamos a ser uma recordação de alguém. Até conseguirmos ser outra vez nós. Eu tenho trinta e sete anos e estou apaixonado como se tivesse quinze, digo-lhe. Caminho pelo balcão com dois dedos da mão direita como se fosse a publicidade às páginas amarelas. Vai pelos teus dedos, digo-lhe. Servimo-nos e novo. às vezes o uísque é mesmo o melhor amigo do homem.

21 comentários:

Who?... Me?... disse...

Depois do amor...
Passamos a ser a recordação de alguém, vivemos, amadurecemos e nunca mais voltamos a ser essa recordação porque mudamos e somos outros. Com sorte, somos uma versão melhor daquilo que eramos antes, da recordação de alguém.

Mais uma vez, adoroooooo o blog! :)

Anónimo disse...

Depois do amor é...f#$%&@!
Uma sensação de vazio...a boa notícia é que esse vazio pode ser preenchido e mais rápido do que imaginávamos. É assim mesmo, só quando se esvazia totalmente é que estamos prontos para encher com algo novo.

Paula disse...

nem sei se chegamos a ser recordação de alguém, às tantas esquecem-se de nós...

Anónimo disse...

Depois do amor parece que tudo deixa de fazer sentido. Mas quando começamos a olhar para o interior do nosso coração, lá no fundo da dor, reparamos que afinal é possível encontrar um novo amor ;)

Ivar C disse...

ritinha, gosto dessa versão, não por ser uma versão mas por ser, de facto, assim. :)

zeni, exactamente. )

paula, recordação somos sempre... boa ou má. :)

joana, :)

Carla disse...

...depois do amor...ficamos nós, à espera que o amor volte a acontecer (ou talvez não!)

Ivar C disse...

carla, ficamos sim. :)

Olga disse...

Muito bonito este texto.

Gato Aurélio disse...

"estou apaixonado como se tivesse quinze"


SOOOOORTUUUUUUDOOOOOO!!!!!!

;O)

Anónimo disse...

Eu espero sempre que consigamos ser uma boa recordação um do outro. Nem sempre consigo...

Ivar C disse...

olga, obrigado. :)

gato aurélio, :)

anónimo, nem sempre é fácil. se calhar nem sempre se deve tentar. :)

marco costa disse...

confirmo alegremente a teoria dos 15 anos. aliás até a comentei com uma amiga comum...

Ivar C disse...

marco costa, :)

ineiiizi disse...

depois do amor tendemos a olhar as coisas que falhámos e tentar aperfeiçoar para um proximo amor. a mudança nunca sempre é facil, e muitas vezes nem acertada... porque o que falhou com uma pessoa, podia nem sequer falhar com a seguinte.. porque baseamos essa mudança no amor que perdemos, e a menos que encontremos alguem muito parecido ou reencontremos o amor por quem mudamos, vamos sempre falhar de uma forma ou de outra..é a nossa condiçao de humanos imperfeitos!se nao fosse assim, q piada teria? o que mais aprenderiamos? ... mas tendemos sempre a procurar um equilibrio, e o que interessa mesmo é nao falharmos para com nós próprios.. e o melhor é quando encontramos aquela pessoa q nos faz mudar e nos acompanha nessa mudança ao nosso lado... até lá, continuamos à espera...

adorei o post! costumo ler o teu blog, mas este post tive mesmo de comentar :)

P.S.: qual é o verdadeiro apaixonado, que nao parece um miudo de 15 anos? ;)

beijo*

Ivar C disse...

i]Nes, obrigado pelo teu comentário, pela tua presença e pela simpatia. :)

Anónimo disse...

"Apaixonado como se tivesse 15 anos"? ...Como expressão, compreendo. Mas como sentimento acho que não é possível. Aquela visão dos 15 anos, aquele sentimento de descoberta, associada a uma inexperiência de vida, de relacionamentos, ficou lá, com esses miúdos e miúdas de 15 anos que fomos. Não podemos voltar ao que éramos aos 15 anos. Uma paixão pode lembrar-nos desses doces anos, mas não é a mesma coisa...

Ivar C disse...

zeni, a não ser que se descubra que há outras coisas por descobrir. :)

Anónimo disse...

Bagaço,

Touché! Mas ainda assim....é diferente :)

Ivar C disse...

zeni, tudo é diferente de tudo... :)

Anónimo disse...

Depois do amor...
Ficamos zangados, perguntamo-nos onde falhámos, choramos de raiva, prometemos a nós próprios que nunca nos voltamos a envolver desta ou daquela maneira...
Depois vem o vazio, sente-se a tristeza a ocupar todos os bocadinhos do nosso eu, choramos de amor...
Aos poucos percebemos que já não somos os mesmos, que vivemos algo que não se vai repetir mas que agora faz parte de nós...
E há pessoas que nunca vamos deixar de amar, fazem parte das nossas emoções vividas, do nosso eu... E isso é bom!
P.S. - Mais uma vez uma bonita reflexão escrita. :)

Ivar C disse...

sónia, é verdade... e está bem escrito. :)