olhinhos
Estava a chover naquela noite. Ela disse-me que ia fazer olhinhos a um tipo que estava sentado, sozinho, a duas mesas de distância da nossa. Perguntei-lhe se queria me afastasse. Não, disse ela. Reparei que ele tinha um moleskine igual ao meu onde, nesse momento, batia com a ponta duma esferográfica. Queria escrever qualquer coisa mas não sabia o quê.
Estava a chover naquele dia. Ela afastou o copo de cerveja com a ponta dos dedos e atreveu-se. Impeliu-o com a crueldade dos seus brandos olhos. Eu abri o meu moleskine. Queria escrever qualquer coisa mas não sabia o quê.
Estava a chover naquela noite. Pelo canto do olho vi-o a rasgar uma página do caderno. Ninguém rasga páginas dum moleskine, pensei. Depois levantou-se e caminhou até à nossa mesa. Abriu-lhe a palma da mão e, nela, agasalhou o papel dobrado fechando-lhe os dedos. Segredou-lhe qualquer coisa e saiu.
Estava a chover naquela noite. Ela abriu a mão e deu-me o papel a ler. Era um número de telefone. Telefona-me, tinha-lhe ele pedido. Ela riu-se e assumiu um ar de vitória. Estava no pódio. Lá em cima.
Estava a chover naquela noite. Bebemos mais uma cerveja e, depois, talvez ainda outra. Demorámos mais meia-hora. Quando saímos do bar ele estava cá fora, encharcado pelo logro húmido. Nessa noite, antes de adormecer, finalmente escrevi qualquer coisa. Lembrei-me dum Natal em que abri, por engano, uma prenda do meu irmão. Era um avião que não chegou a ser meu.
14 comentários:
O texto está genial....
parabéns :-)
Bjos
insaciável, obrigado ;)
Se não estava a chover, não tem piada ;)
A Carente
Lindo!
Mas, desta vez, diz que não é verdade!
Carente, com ou sem chuva o tipo é que se molha sempre. tem piada, isso. ;)
xantipa, eu até dizia... mas como esta foi mesmo verdade, não posso. :)
É por isso que uso sempre os comuns cadernos de argolas onde não se notam as páginas arrancadas.
eu uso o moleskine. ninguém me faz olhinhos... é uma seca.
Há gajos que falam de barriga cheia ;)
A carente
Carente, agora que sei quem és... não me provoques. :)
Eu!Eu!Eu não provoco ninguem;)
A Carente
Sim, sim, claro. Já deu para perceber que não. :)
Pois a minha irmã também ficou uma vez com um rapa...presente que era para mim. E depois estragou-o!
Gostei desta narrativa...mas há aviões que partem e outros que chegam.
elora, uau... tens cá uma irmã...
fatyly, esta narrativa é baseada em factos verídicos...
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