menina Inverno
Júlia gosta do vento cinzento que a despenteia pela manhã. Às vezes abraça-o cingindo-se a si. Porque ele é esguio. Tão esguio como as suaves lembranças coloridas que pontilham o céu pálido onde habita, e depois se vão intermitentes de amor, explodindo no ar como balões de gás a arder. Às vezes semeia sonhos no negrume de um café quente britânico. Depois pára no tempo, espaçadamente, mas ninguém sabe. Devaneia sorrisos vãos entre os olhares que a percorrem sem destino, e de meias rotas é uma menina Inverno notando-se no degelo. Como água no deserto. É um insecto preso na imensa teia de aranha que desenha a cidade de Londres.
Hoje de manhã embrulhei o acordar embrutecido da cidade, adormecendo-o com a cabeça encostada à janela de um comboio. Tão longe da partida e da chegada como de outra coisa qualquer. O céu empalideceu-se e, como um peixinho vermelho na água de lodo escura, vi-a entre os transeuntes. Não a chamei. Júlia está longe.
[escrito para uma amiga em outubro de 2004]
8 comentários:
Oh ivar que coisa mais linda.
aera que a tua amiga esta tao linda agora quanto aquilo que aparenta quando escreve?
teu admirador e companheiro de estado dono de casa onde ja foste convidado para jantar
Júlia era a minha avó. E tudo se aplica excepto o café e Londres. É tão engraçado como palavras e sentimentos teus evocam lembranças e sentimentos meus, de uma Júlia que não tinha nada a ver, com cabelo cinzento e a viver em sonhos. Escrever bem.
companheiro de estado, falei com o outro membro do clube na quarta-feira, tendo em vista um encontro do G3 prá semana em tua casa. Terça, por exemplo, era cool. ;)
elorinha, o bom de ler é que também é uma forma de escrever, não é? :)
Lindo e comovente! Não consigo di mais nada!
fatylynha, lol! nem o dizer dizes, lol. ;)
bagaco foi verdade, embora por vezes o meu teclado tão rafeiro coma as letras:)))) mas neste caso foi intencional!
lol! estava a brincar, fatyly. obrigado. ;)
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