5.02.2007

crónicas da cidade que sopra | é como se o silêncio respirasse

Amanhã é como se o silêncio respirasse. Mais uma crónica no Diário de Aveiro:

É como se o silêncio se alimentasse dos gritos da cidade, durante o dia, e por isso à noite crescesse. Dentro e fora de nós. Os manequins da montra dum pronto-a-vestir, dissimulados na escuridão, tecem considerações em segredo sobre um homem que varre lentamente a rua. Talvez estejam cansados de o ver ali todas as noites, ausente da vida, ajudando a cidade a manter uma falsa aparência. E se numa refeição qualquer sobram sempre migalhas, também neste sonoro processo alimentar rareiam alguns restos: o latido dum cão no quintal traseiro duma casa adormecida, a passageira sirene duma ambulância nervosa, o canto dum homem embriagado de solidão, os passos dum homem que caminha sem direcção. Ninguém liga. Nem o varredor nem os manequins.

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