8.19.2015

coisas que fascinam (183)

estado satélite a rondar a vida

Não sei quantas vezes, num café ou noutro sítio qualquer, me apetece meter conversa com uma mulher. Não estou a falar de engate, estou mesmo a falar sobre conversar. É que há mulheres que têm qualquer coisa que me dá vontade de as conhecer. Há quem lhe chame uma questão de pele, mas eu não. Não tem a ver com a pele, tem a ver com o que nos falta naquele momento. É isso, é uma questão de falta.
Claro que eu nunca meto conversa com ninguém ou, pelo menos, é mesmo muito raro. Sou tímido que chegue e, por isso, costumo ficar na expectativa que venham falar comigo. O que, convenhamos, também quase nunca acontece.
Aconteceu-me agora mesmo.
Tudo porque entrei numa pastelaria às oito da manhã e recusaram-se delicadamente a servir-me uma cerveja. Explicaram-me que só servem bebidas alcoólicas depois das onze, o que eu compreendi. Ainda assim, expliquei que no meu caso não eram oito da manhã. Vinha do trabalho e, antes de ir para casa dormir, apetecia-me beber um copo.
A senhora acabou por me deixar beber duas cervejas Sagres e comer uma empalhada. A mim e a uma mulher que também estava na minha situação e aproveitou a coisa para, também ela, beber um copo. Sentou-se na minha mesa e disse que precisava de falar com alguém que, como ela, ande ao contrário no mundo.
Naquele momento foi isso que nos uniu, o ritmo da vida. Todos os que entravam naquele espaço queriam ler o jornal durante um galão e uma torrada ou um café e uma nata. Só nós é que queríamos espairecer duma jornada de trabalho.
Gostei da expressão "ao contrário do mundo", porque é exactamente assim que me sinto. Não é que me sinta mal. É mais sentir-me numa órbita qualquer do que devia ser a vida, como um satélite que ronda um planeta mas nunca lhe toca. Quando é assim, se dois satélites se cruzam no espaço, porque não beberem uma cerveja juntos?
Despedimo-nos depois de trocarmos números de telefone, para um dia destes repetirmos uma cerveja matinal (o que provavelmente nunca vai acontecer). Ela foi-se embora e eu vim para casa. Acho que foi sempre assim que me apaixonei... no estado satélite a rondar a vida. Apenas hoje não aconteceu.

7 comentários:

Anita disse...

Mas olha que há muita gente que, mesmo com um galão e torrada à frente, também se sente "ao contrário do mundo"... o problema é que, quem está de fora não sabe, e quem se aproxima pensa que estamos no mesmo sentido que a maior parte das pessoas. É assim que sempre me desapaixono...

matilda disse...

Amo todos os textos daqui!

Ivar C disse...

anita, com certeza que sim. cada um de nós tem o direito de ser o contrário do mundo quando achar que é mesmo. :)

aline m., obrigado. :)

Anita disse...

Não sei bem se isso é uma questão de direito a ser ou se é algo que se é, sem qualquer controlo sobre isso... ;)

Ivar C disse...

anita, também é, sim... :)

S.o.l. disse...

"Não sei quantas vezes, num café ou noutro sítio qualquer, me apetece meter conversa com uma mulher. Não estou a falar de engate, estou mesmo a falar sobre conversar. É que há mulheres que têm qualquer coisa que me dá vontade de as conhecer"

Já te leio há uns anos, e sinceramente, é mesmo essa a sensação que sinto quando te leio 99 % das vezes pela calada. Vontade de conhecer, não o rosto, o corpo ou a pele, a pessoa em si, o que és por dentro.

:)
Fica bem! Abraço!

Ivar C disse...

S.o.l., às tantas já me conheces melhor do que eu. :)