8.03.2015

respostas a perguntas inexistentes (321)

Parei em cima duma das pontes do canal do Côjo. O trânsito de moliceiros repletos de turistas era intenso, pelo menos para aquilo que, como aveirense, estou habituado a ver durante os meses mais frios. Dois rapazes com skates passaram por mim e, pelo canto do olho, tentaram perceber o que eu estava  fazer. Estava a filmar, tão simples quanto isso. A filmar sem nenhum objectivo concreto, mas apenas pelo gozo que filmar me dá. Viram a minha Gopro em cima dum pequeno relógio de cozinha, sorriram, e continuaram o seu caminho.
Para além dos turistas nos barcos, alguns transeuntes caminhavam calmamente nas margens do canal. Dali de cima, era como se todos estivessem num silêncio próprio de quem se encontra em paz. Duas mulheres de mãos dadas pararam alguns segundos para observar um grupo de patos que, na esperança de obter comida, se aproximou delas a furar esse silêncio. Reparei então como a minha mão já não segura a mão de ninguém há algumas semanas. Fechei o punho e abri-o novamente, coloquei a câmara na ponte e comecei a filmar.
Ando com uma estranha sensação de solidão, porque apesar de a sentir sou eu próprio que a alimento. Não me apetece estar com muitas pessoas em simultâneo. Na verdade, para ser sincero, nem sequer há muitas pessoas com quem me apeteça estar. Por isso mesmo é que sorri quando as duas mulheres passaram por mim, ainda de mãos dadas, e as ouvi discutir. Eram namoradas e estavam zangadas, mas mesmo assim davam as mãos.
A uma certa distância, tudo nos parece pacífico, mas quando nos aproximamos e percebemos os detalhes, percebemos também que a paz é uma utopia. Acho que tive este pensamento pela segunda vez na vida. A primeira vez foi em criança, quando vi uma fotografia do planeta Terra num Atlas. Era bonita, mas ali na rua onde eu vivia havia uma série de problemas que eu conhecia melhor do que os astronautas que tinham tirado aquela foto. Mais tarde vim a descobrir que o Amor também é assim: bonito por fora, eventualmente cruel nos seus detalhes.
De todas as pessoas que conheço, existe uma (ou três, vá lá) com quem me vai apetecendo estar. É uma amiga a quem nunca dou a mão, mas de quem recebo tudo o que há para receber duma amiga. Estava a pensar nela quando lhe ouvi a voz e, por um segundo, um detalhe nesse mundo que eu vi num Atlas há muitos anos atrás me pareceu perfeito.

- Como estás? - Perguntou.
- Mal. Bebes uma cerveja comigo?

Nessa tarde, ela foi o meu detalhe. É dos detalhes que nós dependemos, não da fotografia do Atlas. Talvez seja por isso que eu gosto de filmar.

2 comentários:

Teresa Margarida Costa disse...

Que texto tão bonito...
Sim, isso de estar com pessoas é assim um misto de querer e não querer. Às vezes digo que não gosto de pessoas, mas não é verdade. O que eu não gosto é de todas as pessoas e de muitas pessoas, mas gosto muito das pessoas que gosto em particular.
Acho que o nunca haver realmente essa paz bela quando se está no interior faz o estar de fora muito aliciante, embora também ele se revista de uma paz bela que não tem nada no seu interior.
Enfim... vivemos dos detalhes que nos fazem sorrir e suspirar. A minha felicidade, pelo menos vive. De tal forma que às vezes apetece-me apontar todos esses detalhes que me fazem sentir bem para me lembrar deles nos dias em que só consigo ver a fotografia do atlas e me sinto fora dos pormenores que poderia querer filmar :)

Ivar C disse...

Teresa Costa, obrigado. :)