
O Retail Park de Aveiro é provavelmente a área comercial que mais me deprime. Todas as áreas comerciais me deprimem, é verdade, mas o Retail Park deprime-me para além do normal. Hoje fui lá comprar um lava-loiça daqueles de 0,69 euros. Depois de muito esforço arranjo um lugar para estacionar, entre um carro preto, cujo condutor deixou os coletes reflectores na cadeira do lugar do morto, e um outro de matrícula francesa cujo emigrante ainda está ao volante a falar ao telemóvel com mais intensidade que a sirene dum navio perdido no mar. Mas não estou no mar, estou só num parque de estacionamento. Tranco a porta e caminho em passos rápidos. Um homem leva um rádio enorme ao ombro e vai a ouvir um relato de futebol. Bem alto. Sem querer toco-lhe no aparelho. Foda-se, diz ele, e fica aolhar para mim. Continuo a andar sem responder, mas penso que espero que o clube dele perca. A não ser que seja o Beira-Mar, claro.
Entro no Mini-Preço e vou directamente aos lava-loiças que, já sei, ficam exactamente no outro canto da loja. Não sei se escolha o verde ou o amarelo. A última vez levei um amarelo, hoje levo um verde. Vou para a caixa e, sem querer, dou um pontapé numa criança que não vi. Ela cai no chão. Pouso o lava-loiça e pego na menina ao colo. Abraço-a e peço-lhe desculpa. O pai vem. É um gajo gordo com a pele mais vermelha que um tomate. Que foi? Pergunta. Fui eu que deitei a menina ao chão, respondo. Ele pega nela e dá-lhe uma chapada. Foda-se! mesmo à minha frente. Que é para aprender a não fugir, diz. Tenha calma, peço. A culpa foi minha, insisto. Ela está sempre a fugir, responde ele. Se calhar é porque tem uns três anos, digo levantando a voz. Qual quê? Já tem quatro. Fujo dali. Tenho mesmo que fugir.
Só há duas caixas abertas e estão as duas cheíssimas. Fico numa. À minha frente vai um casal com um carrinho cheio de comida para gato e para cão. Depois, mais à frente, vai uma mulher que abre a embalagem descartável duma escova e começa a pentear-se enquanto espera. Chega a vez dela e deixa a escova em cima dumas revistas. Não acredito no que vejo mas a verdade é que vi. O casal à minha frente começa a pôr os sacos no tapete rolante e um deles, enorme, rompe-se. Fico cheio de comida para cão nos pés. Atrás de mim alguém se ri como um gorila (sem querer ofender os gorilas). É o gajo que deu uma chapada na filha por minha causa. Foda-se. Aquela menina está perdida. Agora é uma criança adorável, daqui a uns anos vai ser uma gaja que abre escovas nos supermercados para se pentear. Os tipos da comida para animais deixam-me passar à frente. Agradeço e passo.
Dou um euro para pagar os sessenta e nove cêntimos. A empregada pergunta-me se não tenho trocado. Faço um ar de chateado com a pergunta. Que não, digo. Detesto esta mania de pedirem sempre trocado. Pagar um produto de sessenta e nove cêntimos com um euro é normal. Ela repara que estou chateado. Mesmo assim pergunta-me se me pode ficar a dever um cêntimo. Que não, mas eu posso ficar a dever-lhe quatro. Se não se importar, claro. Dá-me o troco em silêncio. Ela até tinha moedas de um cêntimo na caixa. Foda-se! Penso de novo.
Vou a sair. Há um cartaz num dos vidros que diz que os meus €urónios, numa clara alusão a neurónios, recomendam banha de porco. Não acredito. Juro que nenhuma das minhas estruturas cognitivas recomendam banha de porco. Pego na máquina e tiro uma fotografia ao cartaz. Saio. Ao passar na porta ainda ouço a mulher do gajo que bateu na filha, e que reparou na recomedação por minha causa, a dizer: "Oh! Valter, olha a banha de porco tão barata. Vai lá buscar que eu marco aqui lugar". Não sei para que é que, com um marido daqueles, precisa de banha de porco, mas pronto.
Vou para o carro. Um gajo quer vender-me uma rifa em que se ganha um cabaz de natal. Digo que não uma vez e ele insiste. Digo que não uma segunda vez e ele insiste. Digo que não uma terceira vez e ele insiste. Está entre mim e a porta do condutor e não se afasta. Começo a enervar-me mas penso três vezes que tenho que manter a calma. Mantém a calma, mantém a calma, mantém a calma. Respiro fundo. Saia da minha frente imediatamente, por favor. O "por favor" já me sai tremido. Ele sai. Entro no automóvel e ainda o ouço a dizer qualquer coisa. Arranco.
A fila de automóveis é enorme. Demoro uns quinze minutos para chegar à saída. Quando lá chego percebo porquê. Duas meninas estão a distribuir latas de Red Bull aos condutores. Abro o vidro. Uma delas pergunta-me se estou cansado e se preciso duma bebida para conduzir. Apetecia-me dizer-lhe que devia ir dar a porcaria das latas para outro lado e que está uma fila de quilómetros dentro do parque de estacionamento por causa dela. Mas não. Ela é tão bonita que digo que sim e aceito a bebida.
Vou a conduzir na zona industrial. Uma patrulha da GNR manda-me parar. Quer-me multar porque vou a beber enquanto conduzo e isso é proibido. Eu não vou a beber, explico. Esta bebida foi-me dada por uma menina ali à saída do Retail Park. Ele insiste que a lata está aberta e tudo. Foi ela que abriu, insisto eu. Vê os documentos e lá me deixa ir. Sem multa. Eu só queria um lava-loiça. Juro que só queria um lava-loiça. É nestas alturas que sabe bem chegar a casa e ter um ombro para adormecer um bocado. Acho que tenho que arranjar mesmo um. Foda-se!