6.05.2007

tu vens do circo quando eu gosto de ti

Tu vens do circo quando eu gosto de ti. Sempre, sapateando a mistura de terra e água do caminho das árvores tristes, cujas folhas pranteiam de vermelho a lama. Trazes nos olhos ainda restos de algodão doce que, em sulcos de soluços leves, se rasgam e sobem aos céus formando as nuvens. Ora brancas de falsa paz, ora negras de concórdia. Hora de te deitares e seres boa.
Tu vens do circo quando eu gosto de ti, e trazes sempre novas formas de o contar. Ora antes, ora depois. Seja o sorriso estendido de um palhaço triste, seja o amparo quente da bailarina ao domador de leões. Trazes na boca a humidade duma nascente de água fresca, que eu bebo, e me corre com a força de um rio onde sou náufrago.
Tu vens do circo quando eu gosto de ti. Sempre sobre um dia de suor pedindo repouso, em que te espero tal um cão faminto soçobrado à ausência do dono.
Mas hoje não, que fui à janela que dá para o caminho e vi-os a passar: o palhaço triste, o domador de leões, a bailarina que o ampara, e até o homem do algodão doce. Fiquei a vê-los até se diluírem no horizonte, e nunca olharam para trás.~

[escrito em maio de 2003]

7 comentários:

Elora disse...

Triste, este texto.

Ivar C disse...

Elorinha, assim à distância ainda é mais... lembro-me de o escrever... ;)

Vítor disse...

gostei muito deste! abraço!!

Fatyly disse...

Escrito com alma acabada de levar com o "circo" em cima. Comoveu-me muito por me fez lembrar águas passadas!

Só não gostei de uma frase: "Hora de te deitares e seres boa."..porque não seres "tu"?

Um belo momento de leitura.
Um abraço

Ivar C disse...

Vítor, grande abraço para ti. E obrigado. ;)

fatyly, este texto já é de 2003 e eatava para fazer parte do "numa avenida de merda"... depois não fez. :)

Cristina disse...

"O gajo pensa que é artista" e é o, de certeza!

Ivar C disse...

cristininha, obrigado. ;)