9.13.2012

pensamentos catatónicos (280)

abraços

Numa das primeiras noites em que saí com a Cláudia, abracei-a enquanto olhávamos para a montra duma loja de chocolates. Ela pediu-me que eu tirasse o braço. Que não se sentia ainda à vontade comigo, disse. Eu tirei, e continuei caminho tentando perceber porque é que uma mulher com quem eu já tinha dormido não se sentia à vontade com o meu abraço.
Entrámos num bar onde ela escolheu a mesa do canto. Fez questão de ficar virada para o centro e eu, de costas, só a via a ela e à parede. Estive calado a noite toda enquanto ela me falava dos clientes atrás de mim. Dois deles, que eu não cheguei a ver, estavam aos beijos enquanto as suas cervejas aqueciam, e ela tinha a mão entre as pernas dele. Não percebi, no seu tom de voz, se havia crítica, inveja ou admiração.
Naqueles primeiros dias, percebi que a Cláudia nunca falava dela própria, apesar de nunca estar em silêncio.  Eu sabia que ela era divorciada e que tinha um filho que eu nunca tinha visto. Mais nada. Tinha-a conhecido naquele mesmo bar algum tempo antes e, desde então, dormido com ela algumas vezes, sempre na casa dela. Ela acordava antes de mim para ir trabalhar. Eu limitava-me a lavar a loiça, fazer a cama, e bater com a porta antes de sair. À hora do jantar, mais coisa menos coisa, ela telefonava-me para marcar um encontro e a história repetia-se. Saíamos, conversávamos, dormíamos juntos e eu nunca a podia abraçar.
Estávamos a olhar para a mesma montra da loja de chocolates quando eu lhe perguntei se o podia fazer. Para mim já era demasiado esquisito ter que lhe pedir licença para tal mas, ainda assim, foi o que fiz.

- Preferia que não. Eu não gosto nada de abraços, principalmente em público.

Nessa noite bebi mais do que o habitual. Estávamos sentados no mesmo canto do mesmo bar quando ela me disse que estava uma mulher a olhar para mim há muito tempo. Virei-me e o meu olhar cruzou-se com o de uma amiga que eu já não via há muito tempo. Estava de férias em Aveiro, depois de ter emigrado para a Alemanha. Levantámo-nos e demos um abraço longo. Perdi a noção do tempo nos braços dela. Quando tornei a olhar para a mesa do canto, a Cláudia já não lá estava. Ainda pensei que tinha ido à casa de banho ou coisa parecida, mas não. Nunca mais apareceu. Nunca mais a vi.

15 comentários:

Só Sedas disse...

liiindo

Só Sedas disse...

É um gosto ler-te

Ivar C disse...

só sedas, obrigado. é um gosto ter-te aqui. :)

maria disse...

Gostei! Li duas vezes. Quero pensar que li duas vezes, não por ser lenta, mas porque realmente gostei bastante do text0.

Vanda disse...

Gosto imenso de te ler e gostei imenso do texto :)
Espero que a Cláudia tenha aprendido entretanto a abraçar mais :)
Beijos!

Sara* disse...

Uma curiosidade: as histórias que aqui contam são todas verdadeiras?

Ivar C disse...

maria madeira, obrigado. lento sou eu... :)

vanda, obrigado. :)

sara* tendencialmente... :)

Amanda Campos disse...

Rapaz, seus textos são encantadores... lendo seu blog fiquei na vontade de ter um também!
Acompanharei suas aventuras por aqui. :)
Beijo!

Miú Segunda disse...

Bem, é certo que há um tempo inicial de certa clandestinidade, em que se é íntimo na alcova e distante em público. São etapas separadas. Mas tudo tem o seu "timing" - e, quando esgotado, algo vai mal se os clandestinos não emergem à luz do dia...

Se eu fosse a si, tentava a minha sorte com a amiga da Alemanha. Afinal, a Merkel é que manda. ;)

Ivar C disse...

Amanda, bem vinda, então. Obrigado. :)

miú segunda, entretanto estou muito bem em Portugal. :)

Alda B. disse...

Verdadeira ou irreal, linda e para pensar...

Malena disse...

Sempre digo que, adorando beijar, um abraço é o que há de mais íntimo. Num abraço podes sentir o calor do outro, o pulsar do seu coração.
A Cláudia sabia que, não te abraçando ou não te deixando abraçá-la, estava a "salvo" da intimidade que importa, a intimidade do coração! :)

redonda disse...

Gosto de abraços.

Ivar C disse...

aldab, obrigado. :)

malena, tenho essa visão da coisa, também. :)

redonda, também eu. :)

Fatyly disse...

Complicado mas compreensivas estas barreiras emocionais.

Uma pérolas das muitas que já escreveste!

Um abraço!