pensamentos catatónicos (280)
abraços
Entrámos num bar onde ela escolheu a mesa do canto. Fez questão de ficar virada para o centro e eu, de costas, só a via a ela e à parede. Estive calado a noite toda enquanto ela me falava dos clientes atrás de mim. Dois deles, que eu não cheguei a ver, estavam aos beijos enquanto as suas cervejas aqueciam, e ela tinha a mão entre as pernas dele. Não percebi, no seu tom de voz, se havia crítica, inveja ou admiração.
Naqueles primeiros dias, percebi que a Cláudia nunca falava dela própria, apesar de nunca estar em silêncio. Eu sabia que ela era divorciada e que tinha um filho que eu nunca tinha visto. Mais nada. Tinha-a conhecido naquele mesmo bar algum tempo antes e, desde então, dormido com ela algumas vezes, sempre na casa dela. Ela acordava antes de mim para ir trabalhar. Eu limitava-me a lavar a loiça, fazer a cama, e bater com a porta antes de sair. À hora do jantar, mais coisa menos coisa, ela telefonava-me para marcar um encontro e a história repetia-se. Saíamos, conversávamos, dormíamos juntos e eu nunca a podia abraçar.
Estávamos a olhar para a mesma montra da loja de chocolates quando eu lhe perguntei se o podia fazer. Para mim já era demasiado esquisito ter que lhe pedir licença para tal mas, ainda assim, foi o que fiz.
- Preferia que não. Eu não gosto nada de abraços, principalmente em público.
Nessa noite bebi mais do que o habitual. Estávamos sentados no mesmo canto do mesmo bar quando ela me disse que estava uma mulher a olhar para mim há muito tempo. Virei-me e o meu olhar cruzou-se com o de uma amiga que eu já não via há muito tempo. Estava de férias em Aveiro, depois de ter emigrado para a Alemanha. Levantámo-nos e demos um abraço longo. Perdi a noção do tempo nos braços dela. Quando tornei a olhar para a mesa do canto, a Cláudia já não lá estava. Ainda pensei que tinha ido à casa de banho ou coisa parecida, mas não. Nunca mais apareceu. Nunca mais a vi.
15 comentários:
liiindo
É um gosto ler-te
só sedas, obrigado. é um gosto ter-te aqui. :)
Gostei! Li duas vezes. Quero pensar que li duas vezes, não por ser lenta, mas porque realmente gostei bastante do text0.
Gosto imenso de te ler e gostei imenso do texto :)
Espero que a Cláudia tenha aprendido entretanto a abraçar mais :)
Beijos!
Uma curiosidade: as histórias que aqui contam são todas verdadeiras?
maria madeira, obrigado. lento sou eu... :)
vanda, obrigado. :)
sara* tendencialmente... :)
Rapaz, seus textos são encantadores... lendo seu blog fiquei na vontade de ter um também!
Acompanharei suas aventuras por aqui. :)
Beijo!
Bem, é certo que há um tempo inicial de certa clandestinidade, em que se é íntimo na alcova e distante em público. São etapas separadas. Mas tudo tem o seu "timing" - e, quando esgotado, algo vai mal se os clandestinos não emergem à luz do dia...
Se eu fosse a si, tentava a minha sorte com a amiga da Alemanha. Afinal, a Merkel é que manda. ;)
Amanda, bem vinda, então. Obrigado. :)
miú segunda, entretanto estou muito bem em Portugal. :)
Verdadeira ou irreal, linda e para pensar...
Sempre digo que, adorando beijar, um abraço é o que há de mais íntimo. Num abraço podes sentir o calor do outro, o pulsar do seu coração.
A Cláudia sabia que, não te abraçando ou não te deixando abraçá-la, estava a "salvo" da intimidade que importa, a intimidade do coração! :)
Gosto de abraços.
aldab, obrigado. :)
malena, tenho essa visão da coisa, também. :)
redonda, também eu. :)
Complicado mas compreensivas estas barreiras emocionais.
Uma pérolas das muitas que já escreveste!
Um abraço!
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