coisas que fascinam (133)
Lembro-me de ti, Helena
Lembro-me de ti, Helena, e das viagens que fizemos num carro que não saía do lugar. Eu ia rodando o volante para a esquerda e para a direita enquanto imitava o barulho dum motor com os lábios trementes, e tu olhavas para a figueira que nos fazia sombra repetindo que era tudo tão bonito, como se uma árvore pudesse ser uma paisagem fugitiva. Lembro-me de ti, porque sem o seres foste a minha primeira mulher.
Lembro-me de ti, Helena, e de me pedires para parar mal passássemos por um café. E depois obrigavas-me a sair daquele esqueleto ferrugento dum Citroën Ami 8 para me sentar num monte de terra e pedir-te uma limonada e um pão com manteiga. Está aqui, dizias tu, que eras empregada do café e viajante ao mesmo tempo, enquanto me punhas uma pedra e uns ramos à frente. A pedra era sempre o café, os ramos eram sempre o pão com manteiga. Eu devorava tudo e dizia que estava bom. Depois seguíamos viagem. Eu a conduzir e tu a olhar para a paisagem.
Lembro-me de ti, Helena, e da forma como me criticavas por conduzir depressa demais enquanto eu deitava sempre a culpa nos outros. Tu dizias-me para eu ir mais devagar, e eu chamava camelo a todos os que nos ultrapassavam. Depois suspiravas de impaciência imitando a tua mãe, eu dizia para teres calma imitando o meu pai.
Lembro-me de ti, Helena. Foste o meu primeiro Amor numa altura em que ninguém sabe ainda Amar, mas mesmo assim foste tu que me ensinaste o que seria a normalidade de uma vida a dois. Lembrei-me sempre de ti quando senti essa normalidade fugir-me. Mas hoje queria só dizer-te que já a tenho, e estou a falar precisamente disso, da normalidade. Há uns dias fui passear com a Raquel e ela pediu-me para parar no primeiro café que encontrássemos. Estacionei numa estrada qualquer do norte do país onde estava uma figueira. Ela perguntou-me o que é que eu queria e eu respondi que queria uma limonada e um pão com manteiga.
Lembro-me de ti, Helena, e como nunca te vi crescer quero dizer-te que para mim ainda és a criança de há trinta anos atrás, e que eu sei que também o sou para ti. Acho até que é bom nunca mais no vermos, Helena, porque só através de ti é que consigo nunca ter crescido. Lembro-me de ti, Helena, e este texto é só para te agradecer a existência.
Lembro-me de ti, Helena, e das viagens que fizemos num carro que não saía do lugar. Eu ia rodando o volante para a esquerda e para a direita enquanto imitava o barulho dum motor com os lábios trementes, e tu olhavas para a figueira que nos fazia sombra repetindo que era tudo tão bonito, como se uma árvore pudesse ser uma paisagem fugitiva. Lembro-me de ti, porque sem o seres foste a minha primeira mulher.
Lembro-me de ti, Helena, e de me pedires para parar mal passássemos por um café. E depois obrigavas-me a sair daquele esqueleto ferrugento dum Citroën Ami 8 para me sentar num monte de terra e pedir-te uma limonada e um pão com manteiga. Está aqui, dizias tu, que eras empregada do café e viajante ao mesmo tempo, enquanto me punhas uma pedra e uns ramos à frente. A pedra era sempre o café, os ramos eram sempre o pão com manteiga. Eu devorava tudo e dizia que estava bom. Depois seguíamos viagem. Eu a conduzir e tu a olhar para a paisagem.
Lembro-me de ti, Helena, e da forma como me criticavas por conduzir depressa demais enquanto eu deitava sempre a culpa nos outros. Tu dizias-me para eu ir mais devagar, e eu chamava camelo a todos os que nos ultrapassavam. Depois suspiravas de impaciência imitando a tua mãe, eu dizia para teres calma imitando o meu pai.
Lembro-me de ti, Helena. Foste o meu primeiro Amor numa altura em que ninguém sabe ainda Amar, mas mesmo assim foste tu que me ensinaste o que seria a normalidade de uma vida a dois. Lembrei-me sempre de ti quando senti essa normalidade fugir-me. Mas hoje queria só dizer-te que já a tenho, e estou a falar precisamente disso, da normalidade. Há uns dias fui passear com a Raquel e ela pediu-me para parar no primeiro café que encontrássemos. Estacionei numa estrada qualquer do norte do país onde estava uma figueira. Ela perguntou-me o que é que eu queria e eu respondi que queria uma limonada e um pão com manteiga.
Lembro-me de ti, Helena, e como nunca te vi crescer quero dizer-te que para mim ainda és a criança de há trinta anos atrás, e que eu sei que também o sou para ti. Acho até que é bom nunca mais no vermos, Helena, porque só através de ti é que consigo nunca ter crescido. Lembro-me de ti, Helena, e este texto é só para te agradecer a existência.
20 comentários:
No teu deserto, Miguel Sousa Tavares...
sofia, nunca li isso. lembrou-te? :)
Recuso-me a comentar.
Se o fizesse, Corria o risco de me chamarem lamechas, mariquinhas, ou o raio que os parta...
Por isso limito-me a ler este texto em silêncio e a sorrir com a alma cheia de tudo...Um tudo feito de pequenos nadas...
;) Grande abraço
Este teu texto é tão bonito. Gosto tanto de te ler. Fico de alma lavada. Obrigada. Um beijo.
Completamente. O livro basicamente é a descrição de uma memória da viagem dele ao deserto com uma miúda, uma Cláudia e o estilo do teu post fez-me lembrar o livro. É pequenino, lê-se bem, vale a pena.
pedro gaivota, obrigado. um abraço: :)
cristina silva, eu é que agradeço. sem a tua (vossa) presença isto não era a mesma coisa. :)
sofia, vou ler logo a seguir aos que tenho na mesa de cabeceira. obrigado. :)
Um dos teus melhores textos. Tens uma sensibilidade fora do comum. Muito bonito, Bagaço :-)
Só isto:
=')
...e um obrigada por escreveres coisas assim.
stiletto, obrigado. :)
tamensil, obrigado. :)
disse, obrigado. :)
Que lindo! :) Será que a Helena vai ler?
estudante, nunca, mas mesmo nunca mais, a vi desde que em criança ela deixou Aveiro. :)
Ainda dizem que a história não se repete? Repete-se com contornos coincidentes, melhores ou piores e a tua foi com melhores e com o teu amor - a Raquel!
Sabes bagaco, comovi-me muito porque também nunca mais vi o António, que conduzia tão bem o carro imaginário feito de madeira com dois bancos à maneira, o café na sombra de um cajueiro, mas era ele que me servia sumo de cajú e um bolo que era uma folha do dito cajueiro:):):)
Não sei se é vivo ou morto...mas fizeste-me lembrar este "amor puro" dos meus 7 anos:):):)
ADOREIIIIII!
fatyly, acho que a forma como vivemos a infância é um denominador comum a todos os adultos. :)
Que bom ser Helena para alguém... =)
briseis, de certa forma todos o somos. :)
Lindo!!! Muito comovente..acho que a todos que tiveram a sorte de le-lo uma "Helena" será lembrada...
Lindo!!! Muito comovente , e com certeza todos aqueles que tiveram a sorte de lê-lo puderam relembrar de alguma "Helena" da sua infância...:)
olívia ferrari, com certeza que si,. todos temos uma helena. :)
O meu "Helena" cresceu comigo e nunca se afastou (raios te partam Rui, assim não tenho um bocadinho de infância aonde voltar), somos fiéis um ao outro até hoje. Apesar das pessoas que apareceram na nossa vida e preencheram o Amor que sentiamos um pelo outro, ficou outro tipo de Amor tão ou mais profundo que o primeiro. Contra a expectativa de toda a gente à nossa volta não casamos mas estivemos presentes em todos os momentos importantes um do outro, confessamos depois o aperto que sentimos quando pensamos que estavamos a perder um pouquinho do que eramos, do que tinhamos.
Engraçado que eu e o Rui tinhamos um tractor velho e a cair aos bocados onde ele me levava a passear de carruagem, as minhas loucinhas com motivos finos eram preenchidas com terra e água do poço. Bebiamos o "chá" das cinco e comiamos o "bolo de chocolate", mas o Rui tinha de comer mesmo, ou a Jana zangava-se a valer.
Fizeste-me sentir nostálgica e agora vou ali mandar um SMS ao Rui para lhe dizer o quanto sinto a falta dele :D
janine bettencourt, fazes muito bem em mandar. eu não posso... :)
Enviar um comentário