pensamentos catatónicos (222)
Hoje o comboio onde eu seguia de manhã no sentido Porto-Aveiro atropelou uma senhora. O revisor percorreu todo o corredor central da composição para informar que a viagem ia atrasar bastante. Lá dentro, apesar da morte nos carris, a vida continuou. Uns protestavam com o atraso, outros telefonavam para parte incerta, outros liam o jornal como se nada fosse. Não sei explicar bem porquê mas esta mania que a vida tem de continuar sempre, independentemente do que nela acontece, faz-me confusão. Alguns passageiros saíam pela única porta aberta para ir ver o cadáver. Eu, que não tenho prazer nenhum em ver cadáveres, encostei a cabeça a uma das janelas e tentei adormecer. Quando a vida continua sem eu perceber porquê é o que faço: tento dormir.
Foi com a cabeça encostada ao vidro da janela que tentei visitar outros momentos em que fiz o mesmo: tentar adormecer para contornar a sôfrega e intrigante respiração da vida. Foram todos momentos em que, por uma razão ou outra, um Amor terminara ou estava em vias de terminar. Passei o resto do dia com esta transparente indisposição. Não pela morte da senhora em si, mas pelo paralelismo que estabeleci sem querer entre o fim da vida e o fim do Amor. Não é a mesma coisa, pois não?
24 comentários:
Não. Mesmo com o fim do Amor, a vida tem que continuar, pois não?
:)
giovana, tem sim. :)
Creio mesmo que é mesmo a mesma coisa. O que nos vale é que ambos os fins não são mais que novos começos (não se ria, eu acredito mesmo nisso: sou católico).
Acompanho o seu blogue há já bastante tempo apesar de, em muitas coisas, nos encontrarmos em lados diferentes da vida. Ou se calhar justamente por causa disso. Mas o que importa, hoje, aqui e agora, é que me identifiquei com o seu post: o incómodo da vidinha ter que continuar apesar de tudo; o desejo muito interior, muito nosso (e por isso muito dificilmente entendível para quem nos rodeia) de dormir até que tudo passe.
Obrigado pelos bons momentos de leitura que me tem proporcionado.
Abraço
José Pinho
Mesmo não sendo a mesma coisa, às vezes parece...
José Pinho, obrigado pelo email. Eu não sou católico nem sequer cristão, mas de facto nisto estamos no mesmo caminho... e talvez isso seja mais importante do que o resto. abraço. :)
vanda, pois parece... parece mesmo. :)
Realmente a vida tem sempre que continuar. No entanto em certas alturas devemos ter vergonha na cara e saber comportar, os funerais é uma altura em que se presta uma última homenagem ao falecido e eu questiono quando vejo pessoas a contar anedotas e a combinarem convívios.
Os valores que a sociedade tinha antigamente com o passar dos anos vão se perdendo, talvez a culpa seja nossa que não cultivamos os nossos filhos como os nossos pais nos cultivarão a nos.
salsa, tem que continuar num caso e noutro.... sim... mas os casos têm, de facto, semelhanças. :)
"Lá dentro, apesar da morte nos carris, a vida continuou." pois claro e tem que ser assim mas sem curiosidades mórbidas, porque se pensares bem, enquanto escrevo quantos já morreram e outros nasceram?
Claro que não é a mesma coisa, embora para muitos o "fim do Amor" possa causar o mesmo sofrimento de perca que, por vários motivos e mais alguns pode levar à morte...suicídio.
Mas numa outra fase da vida, há fenómenos para quais não tenho adjectivos... após anos e anos e mais anos, velhos...nunca conheceste ninguém que morre um elemento e passado pouco tempo o outro?
Claro qué a mesma coiza. Só que no caso do Amôr sêmos como os gatos, têmos sete vidas. (mesmo cãe nã gosta de gatos :) )
Comparar uma coisa com outra é o romantismo levado ao exagero.
CR
Também faço isso, tentar adormecer.
Não gosto de fins finais (que não sejam parecidos com o dos contos de fadas - viveram felizes para sempre)
beijinho
Gábi
fatyly, por acaso já conheci, já... bem visto. :)
jakim, sete? ena... ainda posso morrer umas quantas. :)
cr, acho até que saber o que é o exagero é exagerado. :)
redonda, é um método fugitivo... mas não deixa de ser um método. beijinho. :)
não será de facto a mesma coisa, nem terá q ser.. tudo depende dos usadores de vida ou do amor digo eu... pensemos num casal que dedicou suas vidas um ao outro... décadas de vida juntos.. até à morte de um dos elos dessa cadeia... O amor, nos actos mais simples e singelos do dia-a-dia continuará lá. Mesmo que a vida continue, mesmo que as horas passem no relógio, para o sobrevivente aquilo que criou como sentimento não desaparece apenas e tão só porque o outro elemento já não está, como ser, como ser orgânico, como matéria, como humano. O que se viveu, o que se partilhou mantém-se na memória, o afago da alma continua a ser enviado mesmo que não recebido visivelmente (e eu não acredito noutras vidas), a verdade é que há coisas que continuam apesar da morte, e mesmo com o direito a recomeçar de novo.
lisa p, :)
É. A mesmíssima coisa.
Não é a mesma coisa, não. A Vida continua mesmo sem Amor. Pode é ter sido mais intensa enquanto o Amor durou, mas não deixa de continuar.
MJNuts
o fim da vida é, infelizmente a sentença de morte de um amor (que pode ficar anos no corredor da morte, mas que tem de acabar por morrer)...
mas não é propriamente o fim do "amar" com a morte de um amor existe sempre a possibilidade de encontrar outro... os amores andam por ai com as suas várias formas e intensidades, a única coisa que talvez é certa (na minha maneira de ver as coisas) é que eles vivem sempre um em detrimento uns dos outros...
"prontes"
foram cronicas d'um cota aqui no blogue do nosso amigo bagaço =]
abraço camarada, e obrigado por estes momentos
morcegos no sótão, ter tem... :)
mrZ, obrigado. abraço. :)
Foi a 20metros de minha casa, a senhora vinha do supermercado e os sacos abandonados na berma da linha ficaram como testemunho dessa manhã em que ela não voltou.
andré henriques | Ah!photo, eu não fui ver... mas entristeceu-me. :)
Não fui ver, mas tenho de passar por lá.
É sempre triste, já tem havido lá alguns suicídios, mas quando são acidentes é, a meu ver, muito pior e mais triste, porque não foi por opção.
andré henriques | Ah!photo, bem... se não virmos os suicídios só por sim, podem ser bem mais tristes. podem significar uma vida inteira triste. :)
O Amor continua depois da morte, porque a morte é apenas uma fase da nossa existência. Não sou religiosa, nem acredito em Deus, mas tenho um lado espiritual muito forte e acredito que todo o ser vivo tem alma, e todo o ser vivo renasce. Assim, passamos por muitas vidas e muitas mortes, e se por alguma razão inexplicável conseguimos apaixonar-nos por alguém ou alguma coisa sem razão aparente, é porque carregamos essa razão connosco de vidas anteriores.
PS: Por favor não me chamem maluca só por ter uma crença diferente. O importante é acreditar no que faz sentido para nós próprios e não naquilo que nos tentam impôr (seja pela família, pela igreja ou pela sociedade).
lilith, não me passou pela cabeça chamar-te maluca, embora não tenha a tua visão da coisa. :)
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