11.25.2010

cinema

O sexo tem velocidade, ou melhor, tem velocidades. Há sexo mais rápido e sexo mais lento, e isso lembra-lhe ao que se resumia a sua opinião sobre o cinema quando era criança. Alguns filmes eram lentos, outros eram mais rápidos. Normalmente preferia os filmes rápidos e quando a televisão emitia um filme lento ela protestava. Dizia que “o filme era muito parado”.
Com o sexo também foi assim. Preferiu sempre o sexo mais rápido do que o sexo mais parado. Os motivos é que são diferentes. Quando via filmes na televisão em pequenina era a receptora e exigia essa velocidade do emissor. Queria romance. No sexo, sem perceber como, habituou-se a ser ela a emissora e o marido receptor. No fundo ela estava ali para lhe agradar, e por isso é que imprimia a velocidade. Às vezes até dizia coisas que não sentia, como “gosto quando és bruto!” ou lhe pedia para a dominar.
Por isso é que ainda não adormeceu e já a noite se dissolve na doce luz da manhã que se vem deitar ao lado dela. Ontem deitou-se pela primeira vez com um desconhecido com que se cruzara por acaso no bar do hotel. Sexo descomprometido, que na conversa de engate durante uma margarita ambos se disseram casados e ambos abanaram os ombros sobre o barómetro da felicidade dos respectivos casamentos. Nem sequer sabiam se tinham um casamento feliz ou ou casamento triste. Depois, só por acaso, as mãos de ambos tocaram-se no botão do elevador e já não se separaram mais. Fora assim, dadas, até um dos quartos. Por sinal o dela.
Ali pisaram a fronteira da legalidade com um primeiro beijo tão brando quanto o fim do voo duma ave. Depois, a fronteira da legalidade tem a mania de ser assim: só custa a transpor a primeira vez. Fizeram amor como exploradores que esquadrinham a área a Lua pela primeira vez. Devagar, e com interesse por cada centímetro quadrado do corpo. E, tal como na Lua, sentiram a falta de gravidade e voaram. Ele dentro dela e ela dentro dele. Tão devagar que o sono ainda não passou por ali. Até agora, que ele saiu deixando nos lençóis apenas o calor do corpo. Ela fecha os olhos. Se calhar tem que rever o filme da sua vida.

13 comentários:

Celeste disse...

o problema manifesta-se quando não revemos o filme e não nos sabemos modificar e adaptar, há que (re)inventar!

Ivar C disse...

celeste, yep... :)

Anónimo disse...

Eheh essa descobriu ;)
Beijo :)

Ivar C disse...

Janine Bettencourt, beijo. :)

Fatyly disse...

Por vezes há que fazer essa revisão...parabéns mais uma vez! Adorei!

Ivar C disse...

fatly, obrigado. :)

Anónimo disse...

que belo texto...
para mim considero que a visualização "do filme" deva ser uma prática constante.

Ivar C disse...

rapariga, obrigado. :)

Moi disse...

É daquelas crónicas 120% perfeitas!!

Ivar C disse...

moi, obrigado. :)

Malena disse...

Rever o filme e o papel secundário que atribuiu a si mesma!
Texto para lá de fantástico! :))

Ivar C disse...

malena, obrigado. :)

Anónimo disse...

venho com muita frequência ver este blog, embora nunca o tenho comentado. para além de gostar de muito do que aqui se escreve, identifico-me com algumas coisas. estes textos são uma verdadeira maravilha, e como já alguém sugeriu, deviam ser publicados.
se alguma vez me der vontade de 'roubar' daqui umas coisas (com a devida identificação do autor), posso fazê-lo?

bom resto de fim-de-semana
sp