7.28.2009

distância...

Antes de permanecer algum tempo à porta do café, enquanto roía as unhas à espera dela, passei pela casa de banho para me ver ao espelho. Nunca me olho no espelho, nunca mesmo, e por isso tive alguma dificuldade em reconhecer de imediato aquele homem a forçar um sorriso do outro lado. Depois passei as mãos pela água fresca e molhei a cara, como se assim pudesse lavá-la também da noite mal dormida.
Como é que se reencontra uma namorada que já não se vê há mais de dez anos? Com um abraço forte ou com dois beijos na face? Não sabia... mas sabia que ao telefone a voz dela me tinha parecido demasiado distante e formal. Não distingui a marcação daquele encontro da marcação de uma qualquer reunião de trabalho. Depois, logo a seguir, veio a mensagem: "estou ansiosa por te ver de novo". Eu também estava mas não lhe respondi. A minha voz tremida tinha certamente chegado para ela perceber isso...
Depois decidi sentar-me e tentar afogar os meus nervos num copo de uísque. Sabia que era a primeira coisa para onde ela ia olhar e que me ia perguntar: "ainda bebes?", com um ar talvez desiludido. O uísque tinha acabado com a nossa relação e, na verdade, quase comigo. Por isso preparei-me para lhe responder: "não te preocupes. sobrevivi..." e talvez ela sorrisse.
É estranho nunca me ter esquecido do sorriso dela e ter mais saudades dele do que de outra coisa qualquer dela, incluindo o próprio sexo. Lembro-me duma vez em que me zanguei com ela por ter posto sal na sopa sem me ter perguntado se eu já o tinha feito. E eu já o tinha feito. E ela respondeu aos meus nervos com um sorriso tão doce que nem a sopa salgada azedou...
Também nunca me esqueci do sorriso dela quando saiu de casa pela última vez, mesmo ao virar a esquina do prédio onde desapareceu até hoje, e de pensar como até na tristeza ela sabia sorrir. E sabia mesmo. Nem me esqueci dos dias seguintes. Da louça suja e com restos de comida acumulada na banca da cozinha, das garrafas vazias de uísque espalhadas pelo chão e de um telefone silencioso, um silêncio tão alto que eu não ouvia mais nada.
O relógio grande do café, made in China, marcava três e vinte e quatro quando ela entrou. Sei-o porque, cobardemente, desviei o olhar dela e tentei concentrar-me na primeira coisa que apareceu. Foram as horas que apareceram... o tempo, e com todo o tempo que entretanto passou entre nós ela sentou-se à minha frente sem me abraçar, sem me beijar, sem sorrir. Era aquela a ansiedade que ela tinha em me ver de novo? Talvez fosse... mas percebi que, às vezes, o amor medeia a distância entre duas pessoas... e a essa distância torna-se tão pequeno que é preciso caminhar bastante para o tornar a ver melhor...

18 comentários:

Anónimo disse...

Gostei de ler isto. Quase como ler a história muito abreviada daquele que poderia ser um livro qualquer, baseado em histórias de amor interrompidas pelo tempo e pela vida! Escreves bem ;-D

**Gi** disse...

Talvez, o amor não desapareça. Ele apenas se manifesta de outras formas. Uma delas, o silêncio.

Um beijo!

sara disse...

Também reencontrei um ex-namorado recentemente. E também não o via há mais de 10 anos. A minha reacção foi mais fria do que a dele, talvez por sentir essa mesma ansiedade e até alguma insegurança (Passou tanto tempo! Eu envelheci e mudei...). Ele deu-me um abraço forte, efusivo, inesperado. Foi, simultaneamente, estranho e muito bom...

Enfim... E que tal o aniversário? :)

disse...

adorei este texto....

Ivar C disse...

hyndra, obrigado. :)

giovana, sim, ou talvez a própria distância seja uma manifestação. :)

sara, eu não reencontrei. isto foi só um rápido exercício de imaginação... o aniversário está a ser bom... hoje ainda há jantar e tal.. :)

jú, :)

Olga disse...

Quando se faz o zoom para focar só uma determinada parte da questão corre-se o risco de perder a noção das coisas.
Há momentos em que é mesmo necessária a distância para se alargar os horizontes e as ideias.

Saber amar alguém também implica saber sair no momento certo...

Clara disse...

Oi. O texto está muito bom, as usual. Mas fiquei cá a pensar com os meus botões, sobre a reacção a ter quando reencontrar o meu querido (que ainda não sabe que é meu querido) daqui a dois meses. O que eu gostava era de o sufocar nos meus braços, mas provavelmente estarei ansiosa demais e dar-lhe-ei dois beijos no rosto como que me beija um qualquer...
Bj

sara disse...

sim, claro. parto sempre do pressuposto que todos os teus textos são ficção (mesmo que não sejam). mas "sentir com a imaginação" também é viver, neste caso, reencontrar :). não deixa de ser curiosa a coincidência (eu ter passado por isso há pouco tempo) e a forma como vês a situação.

bom jantar, então. ;)

bj

Pochinha disse...

gostei muito de ler; de facto, queria dizer precisamente o mesmo que a Hyndra... parabéns!

Ivar C disse...

olga, sim, saber amar alguém implica quase tudo no que diz respeito ao bem estar do outro, e esse é normalmente um dos problemas... :)

clara, se ele não sabe... talvez seja melhor saber primeiro. :)

sara, sim... toda a ficção tem uma parte da realidade... :)

pocinha, obrigado. :)

Patrícia Pinto disse...

Adorei...
Gostei principalmente da parte em que dizes que nunca esqueces-te o sorriso dela... É bom saber que os homens também recordam essas coisas; os que se cruzaram na minha vida sempre tiveram uma memória curta!!
Parabéns sinceros!
;o)

maestrina disse...

distância... aquela coisa maldita que esfria o maldito amor que une duas pessoas distantes...

Red disse...

wow :)

Ana Alvarenga disse...

Mesmo imaginação, é muito bonito, mesmo [É como n'O Segredo: se pensarmos nos nossos desejos com muita intensidade, eles concretizam-se?!]! Mas e quando for real, responde à sms, please, para não perder a magia... ;)

Nicole disse...

Que arrepio ao ler este texto! Apetece-me copiar e colar! :)

Escreves cada vez melhor, estou encantada!

Ivar C disse...

patrícia pinto, se calhar fingiram ter uma memória curta mas, de facto não têm... só que há lembranças que ganham importância com o tempo. obrigado. :)

maestrina, é isso mesmo, sim... :)

red, :)

a tela, eu admito que não grande adepto d'O Segredo. Nem para arranjar estacionamento aquilo funciona... lol. :)

nicole, obrigado pela simpatia. faz o que quiseres... :)

Gata Preta disse...

É! Não ha nada como um homem a escrever coisas bonitas e bonitas histórias. :) Afinal eles tb reparam nas pequenas coisas.
Boa escrita
:)

Ivar C disse...

gata preta, :)