5.04.2014

respostas a perguntas inexistentes (275)

Todos nós dizemos coisas apenas por dizer. Eu também. Acho que às vezes é só uma questão de matar o silêncio porque o silêncio, dependendo do contexto, pode significar uma enorme distância entre duas pessoas. Aceito isso da mesma forma que aceito a minha condição, tão grande quanto pequena, de Homo Sapiens.
Para além duma flor para a minha mãe, pousei no tapete corredor do supermercado duas garrafas de vinho, uma embalagem de filetes de peixe e outra de rúcula selvagem. A empregada da caixa fez-me todas as perguntas que já teria feito algumas centenas de vezes, antes de mim, a outros clientes: se eu tinha cartão cliente, se desejava saco plástico e, por fim, se queria número de contribuinte na factura. Não, não, sim.
A última frase, já com o pagamento feito, não foi uma pergunta. Continuação de um bom domingo, disse. Foi simpática, mesmo que o tenha sido apenas porque sim, mas deu-me para não aceitar aquele cumprimento como outra coisa qualquer. Tenho tido um péssimo domingo, respondi.
Na verdade não tenho tido um péssimo domingo. Tenho tido, isso sim, um dia banal. Acho que o que me passou pela cabeça foi não aceitar a inocente presunção daquela mulher de que sabia como estava a ser o meu dia. Dizer coisas por dizer até pode ser, fazer apostas relativamente ao meu dia é que não.
O próximo cliente mostrava-se nervoso, como se eu lhe estivesse a empatar a tarde por estar a fazer compras no mesmo sítio que ele. Ela repetiu-lhe as mesmas duas perguntas iniciais: se ele tinha cartão cliente e se desejava saco plástico. Ele bufava com modos pesados a tanger o grosseiro. Percebi então o motivo pelo qual ela partia do princípio que eu estava a ter um bom domingo. Pedi-lhe desculpa e desejei-lhe um resto de um bom dia tanto quanto possível.
O cliente seguinte pareceu-me acalmar-se.


4 comentários:

EJSantos disse...

CAro Ivar, trabalhar em atendimento ao público é um trabalho muito dificil. Sei por experiencia propria.

Ivar C disse...

ejsantos, acredito que sim... aliás, também já o fiz. :)

Fatyly disse...

O que EJSantos diz é bem verdade. Eu nos quase 40 anos que trabalhei foi sempre a atender público, de todo o género e feitio que se possa imaginar. Mas mantinha sempre a minha postura ser e responder educadamente e a minha maior arma era "o meu sorriso" mesmo que por vezes a minha alma chorava a rodos!

Há pessoas que atendem num frete agoniante e a essas digo-lhes sempre: que pena, a simpatia passou por si e só deixou o cheiro, tal rissol de camarão! Resultado...mudam!

Gostei!

Ivar C disse...

fatyly, lol! gostei do rissol de camarão... já comi desses só com cheiro. :)