3.28.2012

respostas a perguntas inexistentes (201)

gostava de te ver de novo

Uma vez sentei-me contigo num banco de jardim e o mundo fechou-se. Deixou de se fazer ouvir e até de se fazer ver. Lembro-me que, muito de vez em quando, uma leve brisa fazia mexer as folhas das árvores, que nesse movimento agitavam a já fraca luz do Sol. Era o vento a segredar-me que ainda havia vida para além de nós. E eu sorria-lhe a pensar que não.
Talvez tenha sido a primeira vez que me senti apaixonado por ti, porque foi de certeza a primeira que o meu corpo começou a desobedecer à vontade de abraçar alguém. Eu queria abraçar-te mesmo, mas o meu braço nunca me obedeceu. Com a vida, aprendi que é assim que o Amor se faz notar, com o corpo a estancar de forma violenta toda a vontade de quem Ama.
Eu e tu nunca falámos de Amor. Nem do nosso, que não chegou a sê-lo, nem do de qualquer outra pessoa. Falámos, muito provavelmente, de todos os temas possíveis menos desse, o que não terá sido uma coincidência. Assim como, aliás, nunca foi uma coincidência passarmo-nos a sentar um ao lado do outro todos os fins de tarde a partir desse dia. Só hoje, com quarenta anos, é que percebo isso.
De todos os temas abordados entre nós, perdi a conta às vezes que te menti, sempre para te impressionar. Uma vez perguntaste-me se eu já tinha andado de avião e eu contei-te todas as viagens que consegui imaginar. À Noruega, ao Brasil, à Itália e ao Canadá. Contei-te histórias que não eram minhas, mas que tinha ouvido algures em conversas de outros. Acho que acreditaste sempre. Não sei...
Sei que houve uma tarde em que adormeceste no meu ombro e eu petrifiquei durante mais de duas horas, tanto para não te acordar como para prolongar essa rara sensação de te ter para além do verbo. Fechaste o olhos e eu fiquei a ouvir-te respirar. Só isso.
Já não te vejo há mais de vinte anos, nem sequer sei se te lembras de mim. Sei que hoje à tarde, entre a multidão agitada na estação de comboios, pareceu-me ver-te a passar por mim, depois de saíres exactamente do mesmo comboio que eu ia apanhar. Parei por uns breves momentos e virei-me para trás, esbracejei entre uma interminável maré de pessoas para conseguir chegar até ti e, quando finalmente te alcancei, vi que não eras tu. 
Foi assim que fiquei a saber que gostava de te ver de novo.

11 comentários:

Malena disse...

Há nas lembranças dos primeiros amores uma ternura imensa. Talvez seja melhor, no entanto, não revermos essas pessoas para que não se desfaçam as memórias.
:)

Ivar C disse...

malena, eu tenho sempre vontade de rever, apesar de compreender o que dizes. :)

Eli disse...

Páh... Gosto do que escreves, pronto.

Ivar C disse...

eli, obrigado. :)

I. disse...

Gosto muito, é isso :)

Ivar C disse...

i, obrigado. :)

milkadreams disse...

As vezes da vontade de saber o que aconteceu saber se está tudo bem mas pode ser uma desilusão e o presente estragar uma imagem bonita e boa que temos do passado.

Pedaços disse...

Gostei tanto!
Só uma amor tão inocente pode carregar memórias tão ternuras como estas :)

Ivar C disse...

milkadreams, é isso mesmo. concordo. :)

margarida, obrigado. :)

Fatyly disse...

Não sou nada de procurar quem me deixou boas recordações, mas a vida por vezes brinda-me com a visualização e é sempre tão gratificante sabermos o prolongamento das suas vidas após aqueles anos dourados:) e depois somem-se novamente no tempo.

Gostei!

Ivar C disse...

fatyly, pois é. obrigado. :)