totoloto
O mais difícil num divórcio é aprender a estar sozinho. O mais difícil, mas também o mais urgente. Quem não sabe estar só também não saber estar com quem quer que seja, até porque o está mais por necessidade do que por opção. Pelo menos é o que parece, e parecer já é mau. Foi a Sónia que me explicou isto no dia em que me apaixonei por ela. No princípio fiquei zangado, embora tenha fingido que não, mas depois acabei por lhe dar razão.
Foi assim que a vi fechar a porta de casa, sem conseguir combinar nenhum encontro com ela para o dia seguinte. Nem para a semana seguinte ou outro dia qualquer. Fui descendo os cinco andares do prédio dela pelas escadas, para que esse processo de me distanciar fosse o mais lento possível, repetindo no meu pensamento a sua última frase:
- Não vou combinar nada contigo nem quero que me telefones. Se gostarmos um doutro mesmo, de certeza que nos tornamos a ver um dia destes.
Depois beijámo-nos e ela fechou a porta.
Já me aconteceu muitas vezes, esta coisa de me zangar com o que uma mulher diz para depois acabar por lhe dar razão. O dia seguinte passei-o sozinho, com um copo de uísque ensonado como única companhia, e um livro do Haruki Murakami que não consegui começar a ler. Tinha saudades do corpo dela, dos lábios dela, da voz dela, do café dela. Enfim, de tudo dela menos, talvez, dela própria. Como um todo.
Amar é difícil, ser homem também. É que as mulheres são melhores nesta coisa de ficarmos sós. Corre-lhes no sangue o desejo duma solidão pontual. Nos homens não, e depois parecem cães abandonados. É preciso aprender. Estar só também é algo que se aprende.
Encontrei a Sónia duas semanas depois, mais coisa menos coisa, na fila duma papelaria para registar o totoloto. Perguntou-me como é que eu estava e eu abanei os ombros. Depois desejou-me sorte no jogo e eu abanei novamente os ombros. Não sabia o que lhe dizer. Segredou-me ao ouvido, enquanto arrumava os papelinhos na carteira, que eu lhe devia ter telefonado.
- Mas... tu é que disseste... - levantei a voz.
- Eu disse, mas tu não tinhas que me obedecer. - respondeu e sorriu.
Beijou-me, e o beijo dela ficou-me preso na face como um insecto irrequieto enquanto a vi sair da loja sem olhar para trás. Registei o meu boletim e pensei que a vida é mesmo assim. Às vezes acerta-se, outras não. Pelo menos aprendi a ficar sozinho.
Foi assim que a vi fechar a porta de casa, sem conseguir combinar nenhum encontro com ela para o dia seguinte. Nem para a semana seguinte ou outro dia qualquer. Fui descendo os cinco andares do prédio dela pelas escadas, para que esse processo de me distanciar fosse o mais lento possível, repetindo no meu pensamento a sua última frase:
- Não vou combinar nada contigo nem quero que me telefones. Se gostarmos um doutro mesmo, de certeza que nos tornamos a ver um dia destes.
Depois beijámo-nos e ela fechou a porta.
Já me aconteceu muitas vezes, esta coisa de me zangar com o que uma mulher diz para depois acabar por lhe dar razão. O dia seguinte passei-o sozinho, com um copo de uísque ensonado como única companhia, e um livro do Haruki Murakami que não consegui começar a ler. Tinha saudades do corpo dela, dos lábios dela, da voz dela, do café dela. Enfim, de tudo dela menos, talvez, dela própria. Como um todo.
Amar é difícil, ser homem também. É que as mulheres são melhores nesta coisa de ficarmos sós. Corre-lhes no sangue o desejo duma solidão pontual. Nos homens não, e depois parecem cães abandonados. É preciso aprender. Estar só também é algo que se aprende.
Encontrei a Sónia duas semanas depois, mais coisa menos coisa, na fila duma papelaria para registar o totoloto. Perguntou-me como é que eu estava e eu abanei os ombros. Depois desejou-me sorte no jogo e eu abanei novamente os ombros. Não sabia o que lhe dizer. Segredou-me ao ouvido, enquanto arrumava os papelinhos na carteira, que eu lhe devia ter telefonado.
- Mas... tu é que disseste... - levantei a voz.
- Eu disse, mas tu não tinhas que me obedecer. - respondeu e sorriu.
Beijou-me, e o beijo dela ficou-me preso na face como um insecto irrequieto enquanto a vi sair da loja sem olhar para trás. Registei o meu boletim e pensei que a vida é mesmo assim. Às vezes acerta-se, outras não. Pelo menos aprendi a ficar sozinho.
22 comentários:
Como mulher assumo que o cromossoma X gosta muito de fazer esse jogo psicológico do "agora vou desafiar-te a fazeres o contrário do que deves fazer. E se fizeres, perdeste". É como a velha história do "querida posso sair com os amigos?", "oh amor, são os anos da avó, mas podes..." e depois vem a zanga porque o senhor foi sair com os amigos em vez de ir aos anos da avó... enfim... nem eu própria encontro uma razão lógica para esta atitude tipicamente feminina.
Não obstante, pelo menos acabaste por ganhar a aprendizagem mais preciosa que uma pessoa pode ter, e que tão poucas têm: saber estar sozinho. Arrisco a dizer que valeu a pena o "erro".
" Eu disse, mas tu não tinhas que me obedecer."
Hmm, gosta de brincar ao gato e ao rato?
Não acho que tenha sido correcto o que fez.
EJSantos
Não sei se aprendes-te... No entanto foi apenas um encontro e se duas semanas se passaram acredito que pelo menos aquela paixão inicial já lá não se encontra. No entanto estou como ela diz, não lhe devias ter ligado nenhuma. Às vezes os homens são complicados mas as mulheres conseguem ser um dilema! Um grande dilema diga-se de passagem. Mas não deves desistir assim tão facilmente de alguém só porque esse alguém te disse para o fazer. Simplesmente deves seguir aquilo que o coração te pede :) *
almond girl, enfim... estamos tramados. :)
ejsantos, o problema é que é normal. :)
lili, se alguém que eu gosto me pede para me afastar, eu afasto. até porque gosto dela. :)
só sedas, obrigado. :)
Bagaço,
Tal e qual. Se gosto, faço o que me pedem, mesmo que me custe.
Se gostarem de mim, terão cuidado com o que pedem.
Simples.
Ou não...
me, acho isso tão lógico... :)
Eu achava que os homens é que eram melhores a ficarem sós :) Agora penso que não depende de se ser homem ou mulher.
Gostei muito da mens implicita.
Engraçado como nós é que fazemos o destino (ao contrário do que dizem), se lhe tivesses ligado, sem ter escutado o seu pedido, a situação seria diferente.
Escreves tão bem que consegui visualizá-la a susurrar-te ao ouvido!
:)
"Matematicamente" algumas mulheres adoram o conceito de "números imaginários". Tentar "compreender" näo é solucäo, porque entramos em domínios indefinidos, onde a "lógica" mais näo é do que uma mera funcäo näo-linear, cujos pârametros säo definidos individualmente por cada mulher de si para ela mesma, variando no tempo e no espaco. Só ela conhece as equacöes, logo só ela poderá resolvê-las.
A verdade é que foi exactamente por ela ter sido fugidia e contaditória que fez com que este adeus tivesse uma história. Caso contrário, seria um adeus vulgar como outro qualquer... Ou não? :)
Ena, eu tinha mesmo de comentar isto, pois afinal é o que eu digo há anos... que é preciso saber estar sozinho primeiro para depois voltar a estar com outra pessoa (viver paixão, amor... relação...).
Quem não aprendeu a estar sozinho, acaba sempre por "cair nos mesmos erros"...
Bolas, porque é que nós as mulheres dizemos tudo ao contrário?!
Já fiz tanto o jogo do gato e do rato, que espero não voltar a isso.. mas enfim, sou mulher, o mais certo e voltar a acontecer.
P.s. O Murakami é uma boa companhia, mas nem sempre na solidão...
É por isso que os homens acham as mulheres complicadas... Dizemos uma coisa, mas afinal queremos outra...
O Me falou muito bem.
EJSantos
Lá diz o ditado que mais vale só que mal acompanhado. Talvez seja muito básica, sem creatividade, sem emoção, nem sei bem o que chamar mas odeio estes joguinhos da treta. É que me irritam mesmo profundamente e só me dá vontade de mandar este tipo de pessoas a um sítio.
redonda, eu, pelo menos, tive que aprender. :)
carmo, obrigado. e sim, nós é que fazemos o destino. :)
helenikon, e depois não resolve... :)
caracóis, não sabemos o que seria... eu, pelo menos, não sei. :)
eli, é isso, sim. além de que saber estar sozinho é uma forma de defesa também. :)
margarida, boa... não voltes, não. :)
estadista de algibeira, complexas... prefiro complexidade a complicação. :)
ejsantos, a me... pois falou. :)
olga, concordo. mas eu não mando a nenhum sítio pessoas assim. acho que é uma característica biológica. :)
Verdade, verdadinha!
Obrigada EJSantos... e obrigada Bagaço, pelo esclarecimento!
palavraderita, :)
me, :)
não acho que as mulheres sejam melhores nesta coisa de estarem sós... de todo. até acho o contrário. aliás, meu amigo, será que algum dia dia conseguimos aprender mesmo a estar sós?
Subscrevo inteiramente o comentário de Eli...e gostei muito de te ler!
memyselfandi, não achas porque se calhar não são. eu é que o vou achar sempre, porque sou homem e gosto delas. :)
fatyly, obrigado. :)
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