respostas a perguntas inexistentes (200)
curriculum vitae
Há bocado sentei-me na secretária e abri o pdf com o meu Curriculum Vitae, que não actualizo desde 2010, e a primeira coisa que pensei depois de o ler foi: "Que merda é esta?". O meu Curriculum Vitae é tudo menos eu, e recusei-me a acreditar que o mais importante de mim estava ali, naquele pdf simplório e triste.
Não gosto de escrever o meu Curriculum Vitae. Pior, não gosto de nenhum Curriculum Vitae por definição. Sei que já fiz o meu várias vezes, e foi sempre através dele que arranjei emprego, ou seja, despindo-me da pessoa que sou e a fingir-me outra. É isso que é escrever um Curriculum Vitae: enganar os outros enganando-nos a nós mesmos. Tristemente, ainda hoje uso o meu aqui e ali, na perspectiva de alterar a minha vida profissional.Se eu escrevesse o meu Curriculum Vitae de forma honesta, diria que este é um bom momento para trabalhar em qualquer lugar porque cumpro com a condição essencial para estar feliz, que é estar totalmente apaixonado pela Raquel e acreditar que ela também o está por mim. Ao mesmo tempo, diria também que é precisamente por isso que não me apetece trabalhar demasiado tempo em lugar nenhum. Quero esse tempo para poder aproveitar esse Amor.
Explicaria que, como experiência, já declarei Amor a mulheres que se riram na minha cara e que chorei por isso; já fiz três mil quilómetros de comboio com um bilhete falso para poder jantar com o objecto da minha paixão, já adormeci de cansaço à espera dum encontro que nunca chegou a acontecer. Como prova de toda a minha vida, tenho alguns cabelos brancos, algumas rugas junto aos olhos e uns lábios que ainda sabem sorrir e chorar.
Foi com o Amor que primeiro aprendi a fingir que estava tudo bem na minha vida mesmo quando não estava, e depois, num exame final, aprendi ainda a nunca mais fazer isso. Aprendi a evitar silêncios, a deixar de jogar ao gato e ao rato, a deixar de mentir. Acima de tudo aprendi a expulsar do meu corpo a palavra "Amo-te" sempre que ela estiver presa lá dentro.
Agora olho para o meu Curriculum e só vejo que trabalhei nesta ou naquela empresa, neste ou naquele país, nesta ou naquela função. É muito pouco, mas se é assim que as coisas funcionam, tomem lá. Não merecem mais.
17 comentários:
Tens o CV do teu coração. Esse é que conta! :)
malena, :)
Eu concordo plenamente coma tua reflexão =)
em Li Pink High Heels, obrigado. :)
bem... por onde começar. quanto aos cv eu concordo odeio, não dizem nada sobre nós, é uma base de dados sobre o que mais ou menos fizemos ou por onde andamos. infelizmente é o que é e não podemos muda isso. mas a pessoa que somos não precisamos de exprimir num papel e mostrar a toda a gente, é bem mais fácil expressar por actos, actos de amor e só a quem merece. e o que importa é mesmo ser feliz.
Belo texto.
aNa, obrigado. :)
Que magnífico texto e na volta deste "dicas" para quem procura emprego, porque por vezes a "originalidade" é chave do triunfo e nunca se sabe!
volta e meia dizes com cada coisa magnifíca... não que os teus textos não sejam sempre bons, porque são sempre! mas de vez em quando superam o bom... superam muito.
Pior é quando se chega à conclusão que afinal a nossa vida se resume apenas ao que está escrito nesse curriculum tristonho.
mary, obrigado. :)
olga, exactamente. :)
Muito bonito ...
Percebi que estou viciada no Bagaço quando dei por mim a pedir sempre um café com cheirinho ...
São estes posts que me deixaram assim!
leonor, obrigado. :)
Albarda-se o burro à vontade do dono :)
josh, lol. :)
cada vez que comento (e não são muitas) é apenas para dizer parabéns. Adoro a forma como escreve, o que escreve e como descreve. É sempre um prazer.
Caro Bagaço, tropeçei neste blog por acaso e pelas virtudes das redes sociais, que nos permitem momentos inesperados de verdadeiro prazer.
A sua escrita tem a capacidade de me fazer querer ler sempre a palavra seguinte ( dai estar a responder a um post de Março LOl) , neste seu post li um paragrafo que li, reli , treli e mais o que seja e acabei a pensar porra este gajo sou eu.
Assim gostava que me permitisse "raptar" o referido e publica-lo numa rede social ( mencionando o autor obviamente) por dois mootivos - um egoista porque o meu caro amigo ( perdoe a intimidade) consegue por em palavras aquilo que eu tento exprimir sem sucesso a quem amo e o segundo para que "outros" os meus amigos possam ter o prazer que a providencia me proporcionou.
um abraço
NunoV
nunov, à vontade. eu só agradeço. :)
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