respostas a perguntas inexistentes (198)
o tempo ainda está a contar
Ela acabou de chegar. Senti-a a pousar os sacos das compras do lado de lá da porta, escolher e rodar lentamente a chave na fechadura, pegar de novo nos sacos e entrar. Foi para a cozinha, arrumou tudo, e depois sentou-se à janela com uma chávena do chá que sobrou do pequeno-almoço. Hoje ainda não trocámos palavra, e na verdade não sei se isso é bom ou mau.
Às vezes procuro nela a menina por quem me apaixonei, há mais de vinte anos atrás, e não encontro. Mas quando procuro em mim o rapaz dessa paixão, também não dou com ele. É como se cada um de nós tivesse seguido a sua vida em direcções opostas, mas sempre fechados no mesmo T2 de um bairro operário da cidade.
E eu levanto-me, pouso o jornal aberto no chão ainda com metade das palavras cruzadas por fazer, e vou também à cozinha. Abro um armário e fecho-o logo a seguir, depois outro, como se procurasse alguma coisa que não uma palavra dela. Um sinal de vida ou de nós. Do que chegámos a ser.
- Comprei-te café! - Diz ela.
- Obrigado.
A janela da cozinha dá para a rua onde alguns miúdos jogam com uma bola vazia, e depois dá para outras janelas. Muitas. Fico com a sensação de que vivo numa prisão de janelas, que o mundo nos decidiu encerrar aqui para desistirmos lentamente da vida. Acho que ela está a pensar o mesmo que eu, a fazer as mesmas perguntas. Quantas pessoas nessas janelas passam os dias sem dar por eles? Quantas pessoas ainda se Amam e fazem Amor todas as manhãs de Domingo? Quantas pessoas?
Ouço a pastilha romper-se dentro da máquina e espero que o café escureça o fundo branco da chávena. Um curto, portanto, que eu nem sequer queria nenhum. Sento-me ao lado dela e finjo dar um gole do qual nem chego a sentir o sabor.
- E agora?
Sinto-a sorrir e lembro-me do primeiro sorriso que lhe vi, aquele que parecia que nunca se ia desfazer nos seus lábios de mel. E nos meus também, acho eu. E ela a perguntar-me se o nosso Amor era para sempre e eu a responder que sim. Que mais podia ser, naquele momento em que nos apaixonámos pela primeira vez? Que mais podia ser, naquele Big Bang dum mundo novo? Era como se o tempo e o Amor fossem infinitos.
Entrelaçamos os braços como se quiséssemos dar um nó impossível com eles, e ela pousa a cabeça no meu ombro. Em silêncio. Aí está, um pouco do que nós já fomos. E estamos a mostrá-lo ao mundo todo, a dizer que nesta janela as pessoas ainda se Amam, mesmo que seja um Amor em forma de resistência. O tempo ainda está a contar. O Amor também.
Ela acabou de chegar. Senti-a a pousar os sacos das compras do lado de lá da porta, escolher e rodar lentamente a chave na fechadura, pegar de novo nos sacos e entrar. Foi para a cozinha, arrumou tudo, e depois sentou-se à janela com uma chávena do chá que sobrou do pequeno-almoço. Hoje ainda não trocámos palavra, e na verdade não sei se isso é bom ou mau.
Às vezes procuro nela a menina por quem me apaixonei, há mais de vinte anos atrás, e não encontro. Mas quando procuro em mim o rapaz dessa paixão, também não dou com ele. É como se cada um de nós tivesse seguido a sua vida em direcções opostas, mas sempre fechados no mesmo T2 de um bairro operário da cidade.
E eu levanto-me, pouso o jornal aberto no chão ainda com metade das palavras cruzadas por fazer, e vou também à cozinha. Abro um armário e fecho-o logo a seguir, depois outro, como se procurasse alguma coisa que não uma palavra dela. Um sinal de vida ou de nós. Do que chegámos a ser.
- Comprei-te café! - Diz ela.
- Obrigado.
A janela da cozinha dá para a rua onde alguns miúdos jogam com uma bola vazia, e depois dá para outras janelas. Muitas. Fico com a sensação de que vivo numa prisão de janelas, que o mundo nos decidiu encerrar aqui para desistirmos lentamente da vida. Acho que ela está a pensar o mesmo que eu, a fazer as mesmas perguntas. Quantas pessoas nessas janelas passam os dias sem dar por eles? Quantas pessoas ainda se Amam e fazem Amor todas as manhãs de Domingo? Quantas pessoas?
Ouço a pastilha romper-se dentro da máquina e espero que o café escureça o fundo branco da chávena. Um curto, portanto, que eu nem sequer queria nenhum. Sento-me ao lado dela e finjo dar um gole do qual nem chego a sentir o sabor.
- E agora?
Sinto-a sorrir e lembro-me do primeiro sorriso que lhe vi, aquele que parecia que nunca se ia desfazer nos seus lábios de mel. E nos meus também, acho eu. E ela a perguntar-me se o nosso Amor era para sempre e eu a responder que sim. Que mais podia ser, naquele momento em que nos apaixonámos pela primeira vez? Que mais podia ser, naquele Big Bang dum mundo novo? Era como se o tempo e o Amor fossem infinitos.
Entrelaçamos os braços como se quiséssemos dar um nó impossível com eles, e ela pousa a cabeça no meu ombro. Em silêncio. Aí está, um pouco do que nós já fomos. E estamos a mostrá-lo ao mundo todo, a dizer que nesta janela as pessoas ainda se Amam, mesmo que seja um Amor em forma de resistência. O tempo ainda está a contar. O Amor também.
18 comentários:
E que conte por muito tempo. :)
uau!!!!!
lindo!
Este post faz-me lembrar uma canção de sérgio godidnho que diz:"o amor dura, se durar, enquanto dura" :)
Filipa
Lindo, lindo, lindo, absolutamente brilhante, escrito com uma simplicidade absorvente e tão real.
kiss
Muito bom.
Muito bonito!
viagensnomeucaderno.blogspot.com
Tocante e comovente...e não consigo dizer mais nada!
pipoca dos saltos altos, exactamente. :)
sendyourlove, obrigado. :)
filipa, poia faz... :)
carmo, obrigado. :)
anónimo, obrigado. :)
tiago leal, obrigado. :)
fatyly, obrigado. :)
E tudo vai dar certo. :)
E tudo vai dar certo. :)
Gostei!
História real ou imaginada, com um final feliz para não deixar amargo na boca!
conto de fadas, :)
capitão, obrigado. :)
"Às vezes procuro nela a menina por quem me apaixonei, há mais de vinte anos atrás, e não encontro. Mas quando procuro em mim o rapaz dessa paixão, também não dou com ele."
"E estamos a mostrá-lo ao mundo todo, a dizer que nesta janela as pessoas ainda se Amam, mesmo que seja um Amor em forma de resistência. O tempo ainda está a contar. O Amor também."
e quando passam vinte anos ou mais e as coisas estao assim, dá mesmo vontade de seguir em frente e amar quem temos connosco!
por exemplos destes, e outros mais "chegados" que ainda se acredita no "para sempre" ..
sintonia, há sempre uma metamorfose no Amor de duas pessoas, sim. Às vezes para um fim, outras vezes para um continuidade diferente. Mas não tem que ser sempre uma continuidade. :)
Adoro! Nós mudamos e consequentemente o amor também
gaspar, exacto. :)
Às vezes, um gesto pequenino faz renascer o Amor. :)
(Sou uma romântica!) :))
malena, acho que fazes bem em ser. :)
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