3.22.2012

a marca salazar

Parecia-me que as mulheres davam muita importância a elas mesmas. Enquanto género, quero eu dizer. Não pessoalmente, que isso era lá com cada uma delas. Passei a minha infância e a minha juventude a ouvir que o que eu precisava era arranjar uma boa mulher. Era assim que eu podia expulsar da minha vida todos os males. Foram sempre mulheres a dizê-lo, nunca homens. A minha avó, que já não está entre nós, a minha mãe, uma das minhas tias e as amigas da minha mãe. Até aquela caladinha, que passava os dias a fazer carapins coloridos, um dia me desejou essa sorte. "Talvez um dia encontre uma boa mulher", disse. A minha mãe concordou abanando afirmativamente a cabeça.
Não percebia porque é que os homens, que eram supostamente quem precisava delas, nunca me aconselhavam o mesmo. Nem o meu pai, nem o meu avô, nem o meu tio, nem os amigos do meu pai. Nunca nenhum me disse que o que eu precisava era duma boa mulher. Um dos meus tios perguntava-me, às vezes, como é que eu estava de gajas, mas eu abanava sempre os ombros para lhe demonstrar que o tema nem sequer me interessava. Mais nada, nunca me deu nenhum conselho.
Precisei de crescer para perceber o que era uma boa mulher para as gerações anteriores à minha. Era uma mulher que soubesse cozinhar, lavar a roupa, passar a ferro e limpar/arrumar a casa. Já tinha desconfiado, na verdade, mas só com a idade é que tirei tudo a limpo. O Amor era uma mera formalidade entre as famílias portuguesas, para que cada homem pudesse arranjar uma boa mulher, ou seja, era pobre. Não o chegava a ser. 
Dali, dum tempo que não era o meu, era o que vinha. Um país onde o Amor era todos os dias atirado para a valeta em nome da união entre um homem qualquer e uma boa mulher. E antes de qualquer outra formação política, passou a ser essa a minha marca Salazar.

16 comentários:

Stiletto disse...

Não me parece que isso tenha a ver com Salazar mas sim com uma mentalidade onde o papel da mulher era esse mesmo. Infelizmente ainda é assim em muitos locais e entre muitas gentes.

Ivar C disse...

stiletto, então tem a ver com Salazar. ele era o "opinion maker" supremo dessa mentalidade. :)

Fatyly disse...

e "o que tiraste a limpo" é, ou melhor foi das mais duras realidades, porque a "marca Salazar", para além de outras, tinha essa vertente...quem mandava era o homem e a mulher só servia!

Os meus pais conseguiram fugir um pouco...e deram-nos uma educação de igualdade. Os meus dois irmãos (um morreu com 21 anos) ai deles que não ajudassem a pôr a mesa, a fazerem a cama, etc, etc. e eu que era uma bela negociante cobrava-lhe cinco tostões por lhes fazer o "serviço"...ainda hoje o meu irmão fala disso!

Quando a minha irmã mais velha começou a namorar, lá vinha o que ainda hoje é o seu marido:) à noite entrava no quintal à socapa e eu só deixava abrir a janela do nosso quarto se ela me desse dois e quinhentos loll e ficava de olho na porta do mesmo!

Se me perguntares de onde vinha o dinheiro, dir-te-ei que era dado pelos padrinhos deles e pelos meus avós maternos e eu e a minha irmã muito mais nova, nem padrinhos, nem avós, nunca nos deram nada.

Gostei!

Richter disse...

Bem visto, sem duvida :)

Anónimo disse...

Concordo com Stiletto essa ideia, ja existe ha milhares de anos antes de salazar, está relacionada com o homem das cavernas sair para caçar e a mulher ficar a proteger as crias.
Actualmente em grande parte do mundo ainda persiste, nada tem haver com Salazar.

Hoje em Portugal ainda as maes e sogras sonham com a "boa" mulher, uma das criticas que se houve qdo ha divorcios é "vê lá que era o meu filho que tratava da propria roupa" e coisas do genero.
Mas acredito que muitos jovens ainda tem essa mentalidade , com o acrescimo de agora haver mais pressao sobre as mulheres. Para ser uma "boa" uma mulher tem que , ambiciosa profissionalmente, uma louca na cama, magra até morrer, andar sempre arranjada, depilada como dita a moda , saber se desenrascar em casa e ter o instinto maternal mais desenvolvido que o de uma ursa com crias.

um abraço
2w

Ivar C disse...

fatyly, brigado pelo testemunho. :)

a. ritcher, obrigado. :)

2w, eu não disse que o salazar era o pai desta ideia, disse só que contribuiu definitivamenta para a sua culturalização. :)

Estadista de Algibeira disse...

O papel da mulher retratado já se verificava há muitos anos atrás, porventura desde os primórdios da história...

Anónimo disse...

Um homem precisa de uma boa mulher? Claro que sim.
Também uma mulher precisa de um bom homem.
Juntos, podem ver mais longe!...
EJSantos

Estudante disse...

Salazar cultivava a ideia de "Família, Pátria e Fátima". Basta ver os cartazes da altura para concordar com tudo o que disseste :)

Ivar C disse...

estadista de algibeira, é verdade que o salazar não criou nada de novo. antes dele já tinham existido muitos anormais semelhantes. :)

ejsantos, :)

estudante, exacto. :)

Anónimo disse...

Compreensível o sentido de "Salazar" nesse contexto: rígido, ditatorial, hierarquizado, sem opção de escolha. Até hoje vemos vestígios disso.

Ivar C disse...

giovana, isso. um moralista da tanga, basicamente. :)

Anónimo disse...

Acho um pouco simplista demais... Mas respeito ;)

Ivar C disse...

josh, há coisas que são simples por natureza. :)

Anónimo disse...

Ah, e aprecio um bom vinho. MAs só de ver no rotulo "Salazar", perco o apetite num instante!
EJSantos

Ivar C disse...

ejsantos, não bebas vinho de santa comba dão :)