pensamentos catatónicos (181)
Lembro-me de reparar na forma meiga como ela pegava na esferográfica e de querer perceber essa meiguice que ela escrevia. Na janela do comboio pontilhavam alguma gotas duma refrescante e morna chuva de Verão e, lá fora, algumas nuvens aguarelavam de negro o intenso céu azul. Lembro-me que ela olhava prolongadamente pela janela, alternando a escrita com uma efémera contemplação à monotonia da paisagem. E eu, da mesma forma, olhava para ela sem alternar o meu olhar com o que quer que fosse.
Lembro-me de ela ser bonita quando bebíamos pelo mesmo copo de cerveja e quando brincava com o polícia austríaco que nos tinha revistado na fronteira, gritando alto as palavras "passport" e control". E foi num desses gritos que lhe dei a mão, depois o braço, depois os lábios e por fim o tempo. E devo ter-lhe dado o meu tempo e o tempo dos outros, porque tanto quanto me lembro os outros deixaram de existir.
Lembro-me dela. Só não tenho a certeza se realmente existiu. Acho que é por isso que às vezes vou ver a pedra que ela me deu no dia do meu regresso. Lembro-me de me dizer que talvez um dia nos víssemos por aí, num canto qualquer do mundo, e eu acenar que sim com a cabeça. Lembro-me dos meus olhos serem uma represa e de achar que os dela também. Só não sei se ela se lembra de mim.
10 comentários:
bom bom bom :)
:-)
Memórias doces... ou sonhar acordado?
red, :)
nanny, sei lá... :)
Que giro! Bem escrito... ou como diriam as gentes "bem dizido"
Espero que sim. Que se lembre! :)
Adorei :)
Raptei-o!
Mais que bom, muito bom. Mesmo que só na imaginação.
Pat, obrigado :)
Anandrade, também gostava. :)
closet, obrigado. :)
ventania, obrigado. :)
é tão bom recordar o que nunca existiu... recorda-se melhor... sem "pedrinhas na alma" ups, acho que já estou a plagiar!!!
maestrina, :)
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