6.26.2009

pensamentos catatónicos (181)

Lembro-me de reparar na forma meiga como ela pegava na esferográfica e de querer perceber essa meiguice que ela escrevia. Na janela do comboio pontilhavam alguma gotas duma refrescante e morna chuva de Verão e, lá fora, algumas nuvens aguarelavam de negro o intenso céu azul. Lembro-me que ela olhava prolongadamente pela janela, alternando a escrita com uma efémera contemplação à monotonia da paisagem. E eu, da mesma forma, olhava para ela sem alternar o meu olhar com o que quer que fosse.
Lembro-me de ela ser bonita quando bebíamos pelo mesmo copo de cerveja e quando brincava com o polícia austríaco que nos tinha revistado na fronteira, gritando alto as palavras "passport" e control". E foi num desses gritos que lhe dei a mão, depois o braço, depois os lábios e por fim o tempo. E devo ter-lhe dado o meu tempo e o tempo dos outros, porque tanto quanto me lembro os outros deixaram de existir.
Lembro-me dela. Só não tenho a certeza se realmente existiu. Acho que é por isso que às vezes vou ver a pedra que ela me deu no dia do meu regresso. Lembro-me de me dizer que talvez um dia nos víssemos por aí, num canto qualquer do mundo, e eu acenar que sim com a cabeça. Lembro-me dos meus olhos serem uma represa e de achar que os dela também. Só não sei se ela se lembra de mim.

10 comentários:

Red disse...

bom bom bom :)

Nanny disse...

:-)

Memórias doces... ou sonhar acordado?

Ivar C disse...

red, :)

nanny, sei lá... :)

PaT disse...

Que giro! Bem escrito... ou como diriam as gentes "bem dizido"

AnAndrade disse...

Espero que sim. Que se lembre! :)

Closet disse...

Adorei :)
Raptei-o!

Ventania disse...

Mais que bom, muito bom. Mesmo que só na imaginação.

Ivar C disse...

Pat, obrigado :)

Anandrade, também gostava. :)

closet, obrigado. :)

ventania, obrigado. :)

maestrina disse...

é tão bom recordar o que nunca existiu... recorda-se melhor... sem "pedrinhas na alma" ups, acho que já estou a plagiar!!!

Ivar C disse...

maestrina, :)