7.24.2014

respostas a perguntas inexistentes (287)

A fotografia

A Susana e a mãe abraçam-se e sorriem naquela fotografia. Por trás há um muro amarelo desfocado e algumas árvores, entre as quais está uma figueira. Há também uma mancha cinzenta que, embora não assuma contornos figurativos, eu sei que pertence a um gato. É que fui eu que a tirei. Nunca mais me esqueci.
Tinha conhecido a mãe da Susana apenas uns quinze dias antes e ela tinha assumido, com alguma naturalidade própria da sua geração, que eu era o novo namorado da filha. Não era, mas o leve tom de censura com que ela o afirmou também nunca mais me saiu da cabeça.

- Agora vais namorar com este?! - Perguntou de forma a sublinhar que eu não seria o primeiro nem, muito provavelmente, o último.

Apesar de tudo simpatizou comigo, pelo menos em parte. Senão não me tinha convidado para uma viagem ao Minho onde, perto de Viana do Castelo, tirei aquela fotografia. As duas abraçaram-se e sorriram quando apontei a máquina e, assim que os braços se tornaram a soltar daquele laço efémero, desataram a discutir uma com a outra. Antes, era também o que tinham feito: discutir.
A discussão tornou-se como que um ruído de fundo, daqueles que nos incomodam da mesma forma que o zumbido de um mosquito no silêncio da noite, e enquanto o ouvia fiquei a olhar para o ecrã da máquina, onde aquele fragmento de tempo capturado deixava transparecer uma estranha sensação de felicidade e cumplicidade entre as duas.
Não cheguei , de facto, a declarar-me namorado da Susana, mas aceitei um convite dela para irmos ao Alto Alentejo duas semanas depois, desta vez sem a mãe. O carro dela era bastante melhor do que o meu e, por isso, nem sequer hesitei quando ela se ofereceu para me levar. Ainda bem, porque se já detesto conduzir, ainda detesto mais com esse ruído de fundo. 
Depois da primeira paragem numa estação de serviço, ainda perto de Aveiro, nasceu a primeira discussão entre nós, apenas porque eu tinha insistido que queria pagar a gasolina. Já no Alentejo, o mosquito ainda estava ali, apesar de ter pousado num sítio qualquer fora de vista. Aproveitámos essa paz momentânea para, numa rua qualquer com muitas laranjeiras, esticar as pernas. Ela pediu a um transeunte para nos tirar uma fotografia e, depois de lhe passar a máquina para as mãos, abraçou-se a mim e sorriu.
Não foram as discussões que impediram que nos continuássemos a ver depois daquela viagem. Foi esse tique de abraçar e sorrir no momento da fotografia. Lembro-me que lhe disse que até posso viver num ambiente de alguma discordância, pelo menos de vez em quando. Não consigo é abraçar e sorrir nesses momentos.
Ainda tenho essa imagem que tirámos no Alentejo. Ela sorri, eu não.

11 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Ivar,é delicioso ler os teus sentires. Para além da escrita ser de boa leitura, ela denuncia alguém com um grau de sensibilidade que é pouco comum encontrar. E isto tanto em homens como mulheres. Gosto igualmente do teu sentido de humor, embora parece-me a mim que ele mascara uma certa tristeza. Não sei se é, mas a verdade é que sinto isso, esse cheiro a tristeza, sempre que te leio, e tive essa mesma sensação nas intervenções que deste na formação. Espero que seja mesmo impressão minha.Afinal de contas, para além de seres dotado de muitas qualidades, tens um rebento a quem contavas histórias e que, com toda a certeza, nunca vai esquecer esses momentos. Ser pai é para sempre.
Mais uma vez adorei mergulhar neste cenário. Até eu já estou a ver a mãe da Susana a discutir com ela e tu com cara de pau. ;) Agora percebo quando dizes que não comprendes as mulheres. eheheh Deixa lá, eu por vezes também não me compreendo. Tem dias.
Quanto ao final, quando dizes "Não consigo é abraçar e sorrir nesses momentos." Deduzo que "nesses momentos" te estejas a referir quando estás chateado, ou a seguir a uma discussão. É isso? Aqui fiquei um pouco baralhada. Não percebi se te querias referir ao barulho de fundo das discussões ou subentender uma outra coisa. Não sou loira, mas confesso que por vezes têm que me fazer um desenho. :)
Pois, eu cá também não me estou a ver a rir depois de uma discussão.Quer dizer, não sei, mas não me parece. Agora deixaste-me a pensar: Mas então não reagimos todos assim?! Pois... se calhar não. Uma coisa é andarmos meios down com os nossos sentires e os esquecermos sempre que estamos com alguém. Outra, bem diferente, é discutirmos com alguém.Enquanto que na primeira situação conseguimos rir, aliás, até gostamos de o fazer. Na segunda perdemos completamente a vontade de rir. Quer dizer, pelo menos esta é a minha verdade.
Bom, tou no ir. Deseja-me boa sorte para amanhã. Vê lá tu que ando há 4 anos a tentar arranjar emprego, mas dada a minha idade avançada não tenho conseguido. Hoje, uma amiga telefonou-me a dar-me informação de um trabalho. Liguei. Fui à entrevista e ligaram-me para começar amanhã.
Estou contente. Espero conseguir dar conta do recado. Não é o trabalho dos meus sonhos, não é dentro da minha área profissional, mas é algo onde, para além de ser remunerada, posso sentir-me útil. Coisa que há muito não sei o que é.
Ah, é melhor não publicares este comentário. Digamos que isto é mais um testamento do que propriamente um comentário. :)
Mas gostava que me elucidasses quanto àquela minha dúvida do final. Podes fazê-lo quando comentares outros comentários.
Bjinhos and sweet dreams
ps: não sonhes com a mãe da Susana caso contrário terás pesadelos devido ao ruído de fundo :)))

Ivar C disse...

maria mundo, fixe, espero que tudo te corra bem. queria dizer que não consigo fingir que estou bem com alguém quando não estou. deixei estar o comentário porque não me importo com testamentos. até gosto. :)

Anónimo disse...

Pois...Neste momento são 18:06
Estou sentada à frente do computador, com os pés de molho.
Enfim, eu realmente não fazia ideia de como vai o mundo, ou melhor dizendo, as pessoas. Foi um dia de trabalho para esquecer. Existem pessoas que se encontram num grau tão baixo de evolução que metem dó.
Bom, vou sair de novo pois, adivinha lá. Estive a trabalhar que nem uma moira e cheguei ao fim e, por diversas razões, disse que não ia mais. Vim embora com a boca aberta por uma série de posturas que testemunhei, com os pés cheio de bolhas e sem um euro. Pelo que me apercebi é política deste sitío ter muitas pessoas à experiência, mas depois não pagam. É surreal!
Mas, vou lá de novo. É que isto é uma exploração. Desde quando o trabalho à experiência não é pago? Oh pah o que doi mais é que quem tem este tipo de postura são pessoas que são trabalhadores.
Só me apetece dizer SOCOOOOOOOOOOOOOORO! Mas vou lá. Depois conto. Afinal, tu andas na política e penso que é bom saberes destes casos.
Até já

Ivar C disse...

maria mundo, não me espanta, infelizmente. o trabalho tornou-se o alvo de todos os ataques políticos. Já tive experiências similares. :)

Anónimo disse...

Não, agora não estou de acordo contigo. Não concordo contigo quando dizes que o trabalho tornou-se alvo de todos os ataques políticos. Até pode ser que exista uma má política no que respeita às leis laborais, ms penso que o muito que se passa no mundo do trabalho deve-se exclusivamente às pessoas.
Posso dizer que sou ignorante em assuntos políticos. Mas sou-o por opção. É que me faz confusão esse jogos de poder e blás, blás, e muita conversa da treta e ninguém se entende. Ok, já sei que neste momento estás a dizer: "Olha-me só a lata!" ;)
É claro que sei que, a não existirem pessoas que contestem esses senhores da treta, isto estava pior do que o que está. Estou a lembrar-me do que disseste aquando da formação, que a política deveria interessar a todos. Eu sei que tens razão. Se fosse toda a gente como eu, olha, nem sabíamos que amanhã é sábado. Tal é, atualmente, o meu grau de alienação a certas coisas.
Mas brincadeiras à parte, é claro que não nos devemos alhear do que se passa na nossa comunidade, mas digamos que eu já não tenho pachorra. Deixo essa tarefa para aqueles de nós - tu,por exemplo - que têm uma veia contestatária.
O que se passou hoje comigo deixa-me triste. Triste por perceber que existem pessoas que vivem num tal estado de ignorância que poluem este nosso mundo com as suas formas de pensamento/posturas. E isto nada tem a ver com política. Tem, sim, ligação com os valores de cada um.
E, para não me alongar na conversa, correndo o sério risco de comecares a abrir a boca, como ficamos quando alguém justifica o seu comportamento desaquado ao facto de ter que "ganhar dinheiro"?
Enfim. E o mais giro disto tudo é que, a maior parte das vezes, quem tem comportamentos de bradar aos céus, são os próprios trabalhadores com uma mentalidade mesquinha e obsoleta, que apenas denuncia má formação de caráter.É triste mas é uma realidade.
Enfim, sabes o que te digo? SOCOOOOOOOOOOOOOOOORO tirem-me deste filme, por favor!
Bom tou no ir.
Desempregada mas tentando não perder a minha lucidez.
abraço

Olga disse...

Certas pessoas têm vocação para actuar outras não. Só isso. (compreendo-te bem, eu também não tenho jeito para disfarçar o que me vai na alma) :)

Ivar C disse...

maria mundo, na verdade, o valor do trabalho é, na minha opinião, o centro da política macroeconómica. É através dele que se decide tudo, mas tudo mesmo. :)

olga, é isso, sim. :)

Anónimo disse...

Bagaço Amarelo, mais uma vez não percebi o que queres dizer. Não sei se é por ter tido um dia difícil dado que, uma vez mais, fui confrontada com a tacanhez e falta de valores de quem quer ganhar à custa do esforço dos outros.
Para abreviar, tive uma proposta de trabalho para trabalhar pelo menos 12horas por dia durante 7 dias por semana, sem direito a folga, sem pagarem horas extra, a sair todos os dias às 4.30 da manhã. Isto num café. Era para começar hoje às 17horas. Ainda pensei que tivesse percebido mal o que o dono me disse ontem.Mas não.
No entanto, tive o cuidado de hoje, antes de ir trabalhar, ir ao ACT - autoridade para as condições de trabalho - a fim de me certificar sobre o que a lei previa neste contexto laboral.
Resumindo e concluindo, a lei prevê 40horas semanais, um dia e meio de folga, que não tem que ser forçosamente ao fim de semana, e pagamento de um acréscimo de 25% nas horas depois da meia-noite.
Bom, apresentei-me ao trabalho às 16,30 para esclarecer tudo antes de começar a trabalhar. Conselho que o funcionário do ACT, por acaso bastante simpático, me deu e que fiz questão de seguir.
Afinal, para azar o meu, percebi tudo corretamente: 12 horas, ou mais, por dia, durante sete dias. Sair ás 4 e tal da manhã. Sem folga e a ganhar 550euros.
Como é possível estas pessoas roubarem descaradamente e ninguém se opôr? E não me venham com a treta que é por necessidade, pois apesar de me encontrar numa situação precária, faço questão de não me deixar corromper, contribuindo para o pior destas pessoas.Como costumo dizer - as pessoas só vão até onde as deixamos ir.
E depois ainda dizem que o país vai mal. Pudera, com pessoas assim é difícil um país prosperar.
E assim anda meio mundo a enganar outro meio.
Desculpa o desabafo.

Ivar C disse...

maria mundo, é marxismo... e política. :)

Anónimo disse...

Oh Bagaço Amarelo, não concordo contigo. Qual marxismo, qual carapuça?! Isso já é a tua veia contestatária a falar.
As atitudes que relatei, provenientes de pessoas que necessitam de colaboradores, só denotam a falta de integridade destas pessoas. Alguma vez faz sentido não se pagar a quem trabalha? Alguma vez faz sentido um trabalhador trabalhar sete dias seguidos sem ter um dia de descanso? Quando muito perguntavam ao colaborador se aceitava essas condições, mas nunca deixando de as pagar. Isso para mim é roubar. Tão simples quanto isso. Não tem nada a ver com políticas. Ou melhor, tem a ver com a política de cada um.
Acho piada que estas pessoas apontam o dedo a pessoas que muitas vezes roubam para comer. E elas roubam à descarada, só que lhe dão outro nome: crise!
Bagaço amarelo, definitivamente não há pachorra.

Política é o valor do salário minímo. Isso sim, é política. Temos um salário minímo que mal dá para sobreviver.
Já a conduta de muitos empresários só denota a tacanhez de espírito.
A palavra "política" tem duas vertentes:poderá referir-se quer à ciência do governo das nações, quer ao modo de haver-se, em assuntos particulares, a fim de obter o que se deseja (priberam.
Neste caso que testemunhei, só tem a ver com o carater dos envolvidos e com a sua própria política.
Pelo menos esta é a minha verdade :)

Ivar C disse...

maria mundo, o valor do salário mínimo e a regulamentação do trabalho têm a ver com marxismo ou até com outro modelo económico qualquer. o centro dos estudos marxista é precisamente o valor do trabalho relativamente à mais valia e à propriedade... :)