8.03.2011

respostas a perguntas inexistentes (172)

relógio

Foi com doze anos, e com o primeiro relógio que os meus pais me deram, que me aproximei dela na escola. Poucos alunos, ou se calhar nenhum, tinham relógio, e nós ficávamos os dois a olhar para o percurso cíclico dos ponteiros do meu como se isso fosse um privilégio, sem perceber que era por eles que um dia deixaríamos de ser crianças. É, aliás, essa a magia de contar o tempo quando se tem doze anos: pensar-se que se é imortal, tão interminável quanto o universo. Conta-se o tempo em direcção a lugar nenhum. Nem sequer à morte.
Perguntei-lhe uma vez quantas voltas já teriam dado aqueles ponteiros desde que tínhamos nascido, e ela respondeu-me simplesmente que o relógio tinha sido feito depois de nascermos, pelo que não era possível saber. Foi a resposta mais inteligente que me podia ter dado, pois foi também com esse relógio que me apercebi que uma volta inteira não demorava sempre o mesmo. Era rápida quando ela estava ao meu lado, era lenta quando ela não estava. O tempo era mais elástico do que o Amor que eu começava a sentir por ela.
Eu e ela fomos apenas crianças nessa elasticidade do tempo. Não mais do que isso. Nunca crescemos juntos, nunca trocámos olhares cúmplices, nunca fizemos Amor, nunca nos Amámos verdadeiramente. Por isso para mim ela ainda é a mesma miúda de sempre, que deve andar por aí a correr atrás de folhas secas para esconder dentro de livros, como me lembro de a ver fazer.
Lembrei-me dela uma vez, quando me apercebi que o Amor é uma armadilha. Acho eu, pelo menos. É que quando nos apaixonamos por alguém que se apaixona por nós também, acreditamos que temos resolvido o problema maior da vida: a felicidade. Depois disso é só tratar de coisas mesquinhas, tipo trabalho e dinheiro. Mas não é. O Amor não resolve definitivamente nada. E é por isso que é uma armadilha. Lembrei-me dela com alívio  nessa altura, por não ter sido ela a armadilhar-me.
Hoje lembrei-me outra vez, quando precisei de saber as horas e não tinha como. Tinha-me esquecido do telemóvel e em adulto decidi deixar de usar relógio no pulso. Decidi deixar de contar o tempo. Acho que foi por isso que decidi também Amar assim, da maneira que Amo hoje, como se não houvesse tempo e não tivesse que Amar tudo hoje.
Ontem uma amiga perguntava-me porque é que eu ainda não vivo com a minha namorada. Por isso mesmo, para que ela não se canse de mim, nem eu dela. Isso é Amar? Isso é querer Amá-la a vida toda, dê ela as voltas que der aos ponteiros do relógio.

38 comentários:

Lili disse...

hummm!!! Não sei bem se isso é AMAR, mas quem é que o sabe afinal?!.

Acho romântico pensar que o coração sabe....

EU SOU EU disse...

Simplesmente perfeito o texto... a frase que mais retenho é "Era rápida quando ela estava ao meu lado, era lenta quando ela não estava. O tempo era mais elástico do que o Amor que eu começava a sentir por ela." ... Uma realidade incontornável na nossa vida... em que infelizmente quando estamos com quem gostamos aproveitamos cada segundo pois estes parecem que voam...mas quando estamos sós...não sabemos aproveitar esse tempo para nos conhecer-mos e então parecem intermináveis os minutos que passamos sós...

M.R. disse...

Bom ponto de vista! As vezes não é fácil lidar com a questão do tempo...

Ah, e muitos parabéns pelo texto! Está muito bom! Tens jeito pra coisa ;)

♥ marta. disse...

que texto BRILHANTE.

Salsa disse...

A partir de certa altura das nossas vidas vivemos a vida com mais calma sem dar grande importância ao tempo. Apenas vemos o tempo passar por nos, já não corremos atrás dele como se ele se fosse acabar.

Anónimo disse...

Tu dizes tudo tão bem dito :)

Eliana

Ivar C disse...

lili, acho que quem tem que saber é quem o faz. Não haverá, porventura, uma só forma de Amar. :)

eusoueu, obrigado. o tempo tem várias dimensões, sim... há quem ache que o perde, que o ganha, que o não tem... :)

m.r., obrigado. :)

♥ marta, obrigado. :)

salsa, ou isso, sim, ou o contrário. :)

eliana, obrigado pela simpatia. :)

Lily disse...

"Fundamental é mesmo o Amor
É impossível ser feliz sozinho"
;)

Anónimo disse...

A tua namorada é uma priveligiada, sabes porquê? Porque tu até podias dizer-lhe isto só a ela, mas preferes que todos saibam o quanto a amas..isso e lindo e belo!!

"É que quando nos apaixonamos (...) acreditamos que temos resolvido o problema maior da vida: a felicidade." - Adoro e concordo plenamente.
Agora que "o Amor não resolve definitivamente nada" - pregaste-me uma armadilha - eu pensava que o amor resolvia muitas coisas e resolve! Mas definitivamente, talvez não resolva nada. Porquê? Porque a felicidade não é definitiva.

Daniela

Maria disse...

Está tão bonito, tão sincero. :)

Ivar C disse...

lily, é essa a maior verdade. :)

daniela, as armadilhas também não são definitivas. é aprender a sair delas... :)

maria, :)

Francisco Castelo Branco disse...

se não tivermos relógio , vamos gostar delas o resto da vida...

não há pressa

Estudante disse...

Uma volta inteira dos ponteiros realmente não dura sempre o mesmo... e antes do Einstein ter criado a teoria da relatividade, já havia namorados que se tinham apercebido disso :)

Anónimo disse...

Está tão lindo o texto. Gostei muito :)

B. disse...

que texto maravilhoso, amei!

Ivar C disse...

francisco castelo branco, não há pressa para nada. :)

estudante, exacto. :)

any =d, obrigado. :)

bruninha, obrigado, :)

She knows disse...

Gostei do texto e do ponto de vista, mas o fim surpreendeu-me um bocado. Um amor tão bonito como o que tens descrito ao longo do blog não deveria ser sensível ao quotidiano, não se deveria desgastar com a convivência diária numa casa. Afinal, estariam a partilhar sempre uma das coisas mais importantes de uma relação. E afinal, o tempo passaria sempre rápido, mesmo que não o contabilizasses.

Ivar C disse...

she knows, não sei se o nosso Amor é ou não sensível ao quotidiano. na verdade acho que todos os Amores o são. De qualquer maneira penso que um dia me juntarei a tempo inteiro, talvez lá para os 50 ou 60 anos... agora estamos muito bem assim. :)

Malena disse...

Bom mesmo é amar sem pressa! Sem o olhar de esguelha para os minutos que passam... :))

P.S. Tive o meu primeiro relógio aos 9 anos, quando fiz a 4ª classe! Foi uma alegria! :)

Ivar C disse...

malena, isso mesmo. privilegiada!!! :)

Filipe Liberato disse...

De facto, os bons momentos passam a correr, então quando estamos com a pessoa que gostamos, aí parece que foram só uns nano-segundos que passaram :)

Ivar C disse...

filipe, o que parece é. :)

DM disse...

Simplesmente lindo!***

Ivar C disse...

dm, obrigado. :)

Anónimo disse...

Que texto lindo. Até me fez voltar a acreditar por instantes no Amor...
Parabéns pela forma como escreves.
Bj

F

Moi disse...

Ficou tão bem escrito, que nem me atrevo a comentar. Estragaria os inúmeras entrelinhas que o texto contém.

Excelente!

Apenas: o amor é uma armadilha, eu diria mais a parte da paixão que o amor contém, porque cega.

Beijo

Ivar C disse...

f, obrigado. :)

moi, obrigado. :)

Fatyly disse...

"Decidi deixar de contar o tempo. Acho que foi por isso que decidi também Amar assim, da maneira que Amo hoje, como se não houvesse tempo e não tivesse que Amar tudo hoje.

és sempre tão surpreendente...que fiquei sem palavras, apenas uma ADOREI!

Ivar C disse...

fatyly, obrigado. :)

Panda disse...

Brilhante, dos melhores textos que já li. Não estou a gozar. Muito bom! :)

Ivar C disse...

ana, obrigado. :)

early bird disse...

às vezes expressas no teu blogue as teorias que eu sinto mas que ainda não consigo dizer. e aprendo um bocadinho com essa descoberta. obrigada :D

Ivar C disse...

girl in motion, eu é que agradeço. a presença e a simpatia. :)

Ivar C disse...

sara m, :)

memyselfandi disse...

Caramba! =)

Ivar C disse...

memyselfandi, caramba?! :)

Zi♥ disse...

adoro o teu blog, escreves lindamente e cheio de paixão (:

Ivar C disse...

zi♥, vou tentando. :)