respostas a perguntas inexistentes (108)
É o quinto fósforo que tenta acender em vão. Todos se apagam com o ligeiro sopro que se insinua timidamente pela frincha da janela da cozinha. O bico aberto do fogão vai libertando gás e por isso desliga-o. Não é que seja grave não cozinhar agora o almoço, até porque nem sequer tem fome, mas de repente toda a sua vida lhe passou à frente nos cinco fósforos cuja chama se apagou de imediato. E conta pelos dedos as mulheres que ultimamente lhe fizeram o mesmo: incendiarem-no numa noite e apagarem-no na manhã seguinte. Talvez também cinco. Não tem a certeza.
O problema é que da última ainda restam algumas cinzas que se espalham com o vento morno que lhe varre o pensamento. A falta do amor é sempre assim, como um vento morno que vai semeando a preguiça dos nossos movimentos pela casa. A embalagem de cereais está em cima do frigorífico há três dias, o lixo está por levar há três dias, a toalha da mesa tem nódoas de vinho há três dias e ainda nem sequer está na máquina. Há três dias que a vida dele abrandou de ritmo, até agora em que desistiu de almoçar por causa de cinco fósforos sem chama.
Há três dias, durante o jantar, deram as mãos quase sem querer um ao outro e depois nenhum recuou. A seguir às mãos vieram os lábios e por fim o corpo. Acabaram por fazer amor no corredor por não conseguirem esperar pelo tempo que demorava chegar ao quarto. Ele estava a precisar disso e ela também. Foi o que disseram um ao outro e é verdade: não estavam nem estão a precisar de mais nada. O estranho é mesmo isso, ele não estar a precisar de mais nada. A falta de amor é sempre assim: a falta de precisar do que quer que seja.
4 comentários:
Gosto de passar por aqui e perceber que às vezes compreendes melhor as mulheres que elas se compreendem a si mesmas*...
Mas as (tuas) respostas a perguntas inexistentes são mesmo o que mais gosto de ler...
*É que eu raramente me compreendo a mim... :)
sophie, obrigado. na verdade acho que nós nunca nos compreendemos. às vezes fingimos que sim, só isso. :)
Logo hoje...bateu fundo! Que dizer quando gostamos e nos toca tanto? nada, pois estragaria a ternura e sensibilidade das tuas palavras.
fatyly, obrigado. :)
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