10.15.2010

eighties

Tive a sorte de fazer nove anos em 1980. Não é que a década de oitenta tenha sido melhor que outra qualquer, mas foi com toda a certeza uma década de ilusão, ou de ilusões, e portanto a altura ideal para ser criança.
Em Portugal a ditadura e a guerra tinham acabado, o PREC também. No mundo vivia-se a expectativa do princípio do capitalismo especulativo e os jogos sem fronteiras, apresentados pelo Eládio Clímaco, eram um cheirinho infantil do que viria a ser a entrada na CEE em 1986. Lembro-me de ver com emoção a equipa de Aveiro vencer um desses jogos e andar orgulhoso com o feito durante um ano lectivo inteiro. O país unira-se em torno de tal conquista e Aveiro entrara no mapa. Portanto, a rua onde eu me divertia a pendurar fitas de Carnaval nas antenas dos poucos automóveis que iam passando também entrara. Eu estava a crescer e o mundo era cada vez mais pequeno. Parecia-me bem.
Em 1981 senti pela primeira vez que o mundo podia ser terrivelmente injusto, quando o Carlos Paião ficou em penúltimo lugar no festival da Eurovisão com a música PlayBack, mas nem por isso perdi a fé naquilo que para mim parecia ser o princípio da globalização: Jogos Sem Fronteiras, Festival da Eurovisão e a minha avó ir a Espanha comprar ananás enlatado em grandes quantidades.
Mas se em 1980 fiz nove anos, em 1985 fiz 14, e com essa idade vieram também as primeiras paixões a sério e as primeiras noites com a cabeça na almofada sem perceber muito bem o que me estava a acontecer, e a esta desordem emocional juntava-se a desordem racional. Percebi então que as mulheres de quem um homem gostava podiam, pura e simplesmente, não lhe ligar nada, e a união que eu sentira no país em relação aos Jogos Sem Fronteiras era falsa. Pelo menos uma fractura havia: aquela entre a maior parte dos retornados que diziam que Portugal precisava dum Salazar outra vez, e os comunas de que a cidade onde eu vivia dizia normalmente mal. Ao mesmo tempo que me apaixonei por uma morena do liceu que nunca me ligou nada optei por gostar desses comunas, um pouco contra tudo e contra todos. Afinal, do pouco que eu sabia, tinham sido sempre eles a protestar com a guerra.
Convém também lembrar que Portugal era um país racista nessa década, embora com dois tipos de racismo. Havia portugueses que simplesmente detestavam pretos, haviam outros portugueses que não os detestavam mas tinham pena deles por serem uns coitadinhos (se calhar este é o pior dos racismos) e, finalmente, outros que não os detestavam e não tinham pena deles. Incrível, achavam que eram pessoas como as outras todas. E eu também passei a achar.
Depois, como tudo, a década de 80 chegou ao fim. Em 1989, a morena por quem eu me apaixonara, desapareceu simplesmente do meu circuito e vim a apaixonar-me por outra mulher que acabou por ser a mãe da minha filha. A clarificação da minha vida emocional trouxe também alguma clarificação política: nem os retornados eram todos parvos à espera dum novo Salazar, nem os comunas eram todos uns reais ideólogos socialistas. Optei por esquecer definitivamente a morena e por adiar as minhas opções políticas para quando percebesse mais alguma coisa do assunto.
Estava a pensar nisto porque este fim de semana vou para uma festa dos anos 80 no Alentejo, que é também o aniversário dum amigo da Raquel, a minha companheira de vida actualmente. A Raquel é essa morena que, depois de se evadir da minha vida nos anos oitenta tornei a encontrar há cerca de dois anos, já divorciado e com uma filha grandota. Actualmente sou também aderente do Bloco de Esquerda em Aveiro. Estava a pensar no labirinto que a minha vida foi durante estes anos todos. A minha vida, como outra qualquer.

26 comentários:

Sophia disse...

Agora começo com a lenga lenga do costume:

"sempre te li em silencio, nunca comentei até hoje"

Agora vem a parte que já deves ter lido imensas vezes:

"identifico-me tanto com este texto"


E agora sim, vou falar com todo o meu coração...


Meu deus, somos todos assim, todos a olhar para trás, a pensar nos enormes sonhos que tínhamos, morder o mundo, mudá-lo e sermos melhores pessoas. E tenho saudades não só das alterações hormonais que nos faziam ora apaixonar, ora desapaixonar conforme o vento como também a orientação politica que ora me fazia comuna, ora me fazia monárquica...

Diverte-te. A sério.

Ivar C disse...

ême, obrigado... é muito difícil não ser um nostálgico da ilusão. :)

Sónia disse...

Apenas um sorriso. O que sempre me colocas no rosto ;-)

Ruben Alves disse...

O passado é sempre uma certeza. É natural que tenhamos saudades dele por comparação directa à incerteza do futuro.

Gostei do teu texto Bagaço (tal como os outros!) mas esse deixa claramente uma parte muito idílica relativamente à Raquel - Tiveram sorte em re-encontrarem-se. Os anos 80 tem destas coisas... :)

Ivar C disse...

crystal, :)

ruben, é natural sim. concordo contigo... e sim, encontrar a raquel foi um euromilhões. :)

Anónimo disse...

Texto bonito. Gostei.
E enquanto lia, também me recordei das minhas histórias nesse periodo...

Gostei.

EJSantos

Ivar C disse...

ejsantos, obrigado :)

Stiletto disse...

Afinal o povo é que tem razão... não há amor como o 1º. Muito bonita a vossa história.
E adorei a leitura sobre os sweet 80's. Eu fiz 10 anos em 80. Foi uma década grandiosa, Fico sempre com um sorriso nostálgico quando penso no 1º beijo!
Fica bem.

Fatyly disse...

A clarificação da minha vida emocional trouxe também alguma clarificação política: nem os retornados eram todos parvos à espera dum novo Salazar, nem os comunas eram todos uns reais ideólogos socialistas
...........
nunca fui apelidada de "retornada" e lutei e ao ler este retrato dos anos 80 - tal e qual - lembrei-me que foste uma criança/adolescente feliz, porque se é feliz quando se tem ilusões...mas para quem já era mãe de uma segunda filha, que nasceu a 1/4/1981...digo-te que a crise era tão semelhante à actual...ironicamente PS...ironicamente Marocas...que quase sufoquei para fazer face às despesas.

A vida dá tanta volta e como gostei deste teu texto e que continues feliz ao lado da tua Raquel...boas mas todas as que conheço são muito (as tais coincidências da vida) pão-pão-queijo-queijo:)))Façam-me um favor: sejam felizes

Já agora em que ano ganhará o Bloco de Esquerda, embora tenha que limar umas pequeninas arestas de que não gosto? Tenho saudades de ouvir a Ana Drago e Louçã também tem que ter outra postura menos pau de vassoura, ai, ai, ai

Gostaria de os ver lá para ver o que fariam, porque só critico quando mostram obra feita e sinceramente estou farta da dança de pavões aparvalhada PS-PSD e lá muito ao fundo junto o CDS!!!!

Ivar C disse...

stiletto, amor como o primeiros mas, na altura, unilateral. lol. :)

fatyly, "retornados" era o vocabulário usado na década de 80 e com o qual eu cresci. Acredita que eu acho que o Bloco precisa muito mais do que limar ligeiras arestas. Não acredito em partidos perfeitos, acredito só que, neste momento, o Bloco é o partido mais próximo daquilo em que eu acredito. :)

Unknown disse...

Para mim, os 80's foram do melhor!!

Anónimo disse...

Interessante a história da morena :)

Penso que a década de 1980 foi a última das décadas em que as pessoas, principalmente os jovens, ainda tinham aquele desejo de lutar por um mundo melhor.

Instalado o consumismo e mais firmemente o Capitalismo, tal desejo parece ter desaparecido em função do comodismo que isso trouxe. As novas gerações parecem não querer saber muito de um mundo melhor, desde que em seu próprio mundo esteja tudo bem. E o mais interessante é que foram criados e educados pela mesma geração vinda das décadas de 70 e 80, os mesmos que antes sonharam, buscaram, lutaram.

Que será que aconteceu?

Anónimo disse...

:) Ivar,
Tão bom, não é?
Saio daqui com um sorriso na alma e outro de orelha a orelha.
Agradecida.
Beijo x
Paula Simão

Ivar C disse...

mónica, e foram mesmo. só de pensar em vestidos às bolinhas com folhos e chumaços vem-me logo uma saudade... :)

giovana, eu acho que ainda há essa vontade. mais diluída por um contexto mediático totalmente diferente, mas ainda há... :)

paula simão, obrigado. :)

memyselfandi disse...

Continuas um tipo tão fixe, Bagaço!!!! Gostei tanto do texto. Partilhei =)

Thiago dos Reis disse...

Todas as vidas entram em labirintos assim, é normal e engraçado.

O que me chama atenção é que todas as pessoas com o mínimo de racionalidade apurada (ou seja, um pouco acima da média) acabam sendo de esquerda OU de extrema-direita. A maioria pende mesmo para a esquerda.

Em épocas de eleição isso fica bem mais visível.

Micaela Santos disse...

Acabei de descobrir este blog e já soltei umas gargalhadas ;-)é bom sinal.

Eu em 1980 fiz 4 anos lol, não tenho assim tantas ideias acerca dele, gostei de te ler.

tempus fugit à pressa disse...

Actualmente sou também aderente do Bloco de Esquerda em Aveiro.
era de prever
Estava a pensar no labirinto que o meu e vosso país foi durante estes anos todos
e continua a ser

o meu país, como outro qualquer

mas alguns sofrem menos virtualismos


e têm povos menos egoistas, apáticos e brutos
´
racismos... houve alguns mas não impediram a misceginação
que é a phoder que a gente se entende

a phalar é que nem por isso

xenofobias extremas do norte a sul
da direita à esquerda
do futebol às touradas

isso sempre existirá
e num país mais pobre
em muy mayor quantidade

Ivar C disse...

memyselfandi, não te deixes enganar... lol. obrigado pela simpatia. :)

thiago dos reis, é verdade que a extrema direita se afigura como uma alternativa ao capitalismo, mas uma alternativa perigosa e emprobecedora. na verdade nunca a achei muito racional. :)

mikas, 4 anos em 1980... estás lá na mesma. :)

الرجل ذبح بعضهم البعض ولكن الخيول باهظة الثمن, em aveiro concelho? então já nos vimos por aí... :)

Unknown disse...

Em 1980 eu tinha 14 anos e também morava em Aveiro e também tive uma paixão por um moreno...:):)de quem agora nada sei mas de quem me lembro de vez em quando! Ai, os 80's, ai o primeiro amor, ai os beijnhos atrás do arvoredo do parque, ai as colunas do "turismo" ali em frente à Câmara, ai os passeios pela estrada da Costa-Vagueira, e os Fiat 127 e o banco de trás, e o Café Ria e o café Trianon e... vou-me calar que já tenho os olhitos humidos.

P.S. Gosto muito de o ler.

Ivar C disse...

dulce, lembramo-nos sempre de vez em quando dos amores da adolescência, e sim... conheço as referência todas, pena é o Trianon ser agora um banco... :)

R. disse...

Não foi no fim dos anos 80, mas é verdade que pedi namoro à minha mais-que-tudo e ela "só" demorou 9 anos a dizer-me que sim. E julgo ter-me saído, tal como tu, o meu euromilhões. O coração às vezes parece que sabe umas coisas...

R.

Lisa P. disse...

eu nasci no baby boom e talvez por isso qnd ande na rua só veja mulheres entradas nos 30 grávidas a pulular de hormonas por td o lado, talvez faça sentido... idade fértil das boomers entra na fase quase out lol

de qqr das formas nasci numa época em q o país andava brando, brandamente sen o livro do nuno markl (caderneta de cromos) não faria sentido p os mais notivos dos eighties cm eu

suponho q n tenha ficado um texto mt coerente nem bem escrito mas foi assim na nostalgia cíclica que faz parte do ser humano q me apeteceu debitar bit e bytes em formas de letras e pensamentos ;)

Ivar C disse...

R, o coração vai sendo o único que sabe uma coisas. :)

lisa p, :)

Malena disse...

CComecei a trabalhar em 1980. Já vivi crises profundas, uma intervenção do FMI, recebi um subsídio em Títulos do Tesouro... Agora também voto BE e continuo a ter o meu amor (que não é moreno mas é giro)! :)))
Essa da tua morena reencontrada dava uma novela! ;))

Ivar C disse...

malena, uma intervenção do FMI, curiosamente com um governo PS. Não há coincidências. :)