respostas a perguntas inexistentes (212)
sítios
Existem sítios diferentes de todos os outros sítios do mundo. São aqueles dos quais, por um acaso saído da improvável lei das probabilidades, nos tornamos familiares. Pode ser um banco no jardim, um café ou uma simples paragem de autocarro, qualquer sítio onde nos sintamos em casa. Todos temos sítios assim e eu, por exemplo, até tenho vários. Sou rico em sítios onde me sinto em casa. Normalmente, e como assumido egoísta que sou, vou a esses sítios quando me apetece estar sozinho sem, de facto, me sentir sozinho.
Esses lugares são ideais para, nas fases em que não nos sentimos verdadeiramente apaixonados por ninguém, nos apaixonarmos momentaneamente por esta ou aquela mulher. As paixões momentâneas são óptimas para dar vida a uma alma morna, até porque vêm e vão tão depressa como um suspiro. Quem suspira não morre.
Houve um Verão qualquer da minha vida em que, todas as manhãs sem excepção, ia para a cidade do Porto passear sozinho e sem destino. Almoçava por lá e voltava para Aveiro num dos primeiros comboios da tarde. Nesse Verão adoptei como um dos meus sítios uma simples paragem dos STCP, onde de vez em quando autocarros paravam, largavam e engoliam uma quantidade sempre razoável de passageiros. Pareciam pulmões metálicos, e eu ficava ali bastante tempo, sentado num banco a ler o jornal e a sentir a sua respiração ofegante.
Não posso dizer que foi assim que conheci a Alice, porque de facto nunca a conheci verdadeiramente, mas posso dizer que foi assim que as nossas vidas se cruzaram numa única vez. Ela entrou num autocarro qualquer e, quando voltou duas horas depois e saiu na paragem do outro lado da rua, reparou que eu ainda estava no mesmo sítio. Atravessou a rua na minha direcção e, por qualquer motivo que nunca percebi muito bem, adivinhei que ela vinha falar comigo. De facto, eu tinha reparado nela, e a minha efémera paixão por ela, tal como muitas outras nessa manhã, tinha morrido praticamente à nascença.
- Estou aqui apenas porque gosto de estar aqui, a ver pessoas e assim... - justifiquei-me sem que ela me perguntasse nada. E ela sorriu. Reparei que pestanejava muito.
Nesse dia não apanhei um dos primeiros comboios da tarde para voltar para casa. Percorri primeiro parte da cidade do Porto, depois da cidade de Gaia, a pé. Durante horas e horas, sempre a falar com ela sobre temas tão triviais quando trabalho, férias, livros, filmes e música. Até ao fim da tarde, em que nos sentámos numa esplanada com vista para o rio Douro e falámos de Amor.
Um bando de pardais disputava, no que me parecia ser uma luta desigual, alguns pedaços de pão com muitos pombos. Era uma mulher idosa que lhos atirava, desde o banco contíguo à margem do rio onde estava sentada. E eu, que não era dali, disse à Alice que podia adivinhar que aquela mulher ia ali todos ou quase todos os dias. Que aquele era um sítio especial para ela, de certeza absoluta.
Algum silêncio se fez. A Alice a olhar para a paisagem e eu a torcer pelos pardais contra os pombos naquela luta desenfreada por comida, como se ali estivesse concentrada toda a injustiça do mundo. Foi então que ela me começou a dizer exactamente o mesmo que eu disse no princípio deste texto. Que existem sítios diferentes de todos os outros sítios do mundo. São aqueles dos quais, por um acaso saído da improvável lei das probabilidades, nos tornamos familiares.
Lembrei-me da Alice hoje de manhã. Passei a pé por uma paragem da MoveAveiro duas vezes, mais ou menos com uma hora de diferença, e das duas vezes vi lá o mesmo homem a ler o jornal.
Existem sítios diferentes de todos os outros sítios do mundo. São aqueles dos quais, por um acaso saído da improvável lei das probabilidades, nos tornamos familiares. Pode ser um banco no jardim, um café ou uma simples paragem de autocarro, qualquer sítio onde nos sintamos em casa. Todos temos sítios assim e eu, por exemplo, até tenho vários. Sou rico em sítios onde me sinto em casa. Normalmente, e como assumido egoísta que sou, vou a esses sítios quando me apetece estar sozinho sem, de facto, me sentir sozinho.
Esses lugares são ideais para, nas fases em que não nos sentimos verdadeiramente apaixonados por ninguém, nos apaixonarmos momentaneamente por esta ou aquela mulher. As paixões momentâneas são óptimas para dar vida a uma alma morna, até porque vêm e vão tão depressa como um suspiro. Quem suspira não morre.
Houve um Verão qualquer da minha vida em que, todas as manhãs sem excepção, ia para a cidade do Porto passear sozinho e sem destino. Almoçava por lá e voltava para Aveiro num dos primeiros comboios da tarde. Nesse Verão adoptei como um dos meus sítios uma simples paragem dos STCP, onde de vez em quando autocarros paravam, largavam e engoliam uma quantidade sempre razoável de passageiros. Pareciam pulmões metálicos, e eu ficava ali bastante tempo, sentado num banco a ler o jornal e a sentir a sua respiração ofegante.
Não posso dizer que foi assim que conheci a Alice, porque de facto nunca a conheci verdadeiramente, mas posso dizer que foi assim que as nossas vidas se cruzaram numa única vez. Ela entrou num autocarro qualquer e, quando voltou duas horas depois e saiu na paragem do outro lado da rua, reparou que eu ainda estava no mesmo sítio. Atravessou a rua na minha direcção e, por qualquer motivo que nunca percebi muito bem, adivinhei que ela vinha falar comigo. De facto, eu tinha reparado nela, e a minha efémera paixão por ela, tal como muitas outras nessa manhã, tinha morrido praticamente à nascença.
- Estou aqui apenas porque gosto de estar aqui, a ver pessoas e assim... - justifiquei-me sem que ela me perguntasse nada. E ela sorriu. Reparei que pestanejava muito.
Nesse dia não apanhei um dos primeiros comboios da tarde para voltar para casa. Percorri primeiro parte da cidade do Porto, depois da cidade de Gaia, a pé. Durante horas e horas, sempre a falar com ela sobre temas tão triviais quando trabalho, férias, livros, filmes e música. Até ao fim da tarde, em que nos sentámos numa esplanada com vista para o rio Douro e falámos de Amor.
Um bando de pardais disputava, no que me parecia ser uma luta desigual, alguns pedaços de pão com muitos pombos. Era uma mulher idosa que lhos atirava, desde o banco contíguo à margem do rio onde estava sentada. E eu, que não era dali, disse à Alice que podia adivinhar que aquela mulher ia ali todos ou quase todos os dias. Que aquele era um sítio especial para ela, de certeza absoluta.
Algum silêncio se fez. A Alice a olhar para a paisagem e eu a torcer pelos pardais contra os pombos naquela luta desenfreada por comida, como se ali estivesse concentrada toda a injustiça do mundo. Foi então que ela me começou a dizer exactamente o mesmo que eu disse no princípio deste texto. Que existem sítios diferentes de todos os outros sítios do mundo. São aqueles dos quais, por um acaso saído da improvável lei das probabilidades, nos tornamos familiares.
Lembrei-me da Alice hoje de manhã. Passei a pé por uma paragem da MoveAveiro duas vezes, mais ou menos com uma hora de diferença, e das duas vezes vi lá o mesmo homem a ler o jornal.
7 comentários:
Como canta a Mafalda Veiga: Há lugares que são pequenos abrigos, para onde podemos sempre fugir...
curlygirl, :)
É bom existirem lugares que, por algum ou nenhum motivo, nos afaguem a alma...
Também gosto de fzer isso. Gosto de ter os meus "santuários", oara parar um pouco, pensar ou, às vezes, descansar a mente...
EJSantos
lily, se não existirem, nós podemos inventar. :)
ejsantos, e para beber copos, claro. :)
Belíssimo, encantador... porque me identifico quase sempre. Sabes, não conheço ninguém que se apaixone tantas vezes como eu... e são tantas que já lhes perdi a conta há muitos anos. Digo isto, porque hoje falaste da "alma morna" e senti que é mesmo isso («As paixões momentâneas são óptimas para dar vida a uma alma morna, até porque vêm e vão tão depressa como um suspiro.») que acontece quando me apaixono tão rápido como me "desapaixono"...
eli, na verdade ninguém no mundo se apaixona tantas vezes como nós próprios. :)
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