7.02.2012

fecho éclair

Suspirou assim que fechou a porta. Foi a primeira vez que mentiu declaradamente à mulher para ter um fim de semana sozinho. Não lhe mentiu no destino nem no nome do Hotel, caso ela quisesse telefonar, mas mentiu-lhe no motivo. Disse-lhe que ia em viagem de negócios a Madrid, mas foi apenas porque sentia uma desesperada necessidade de estar sozinho.
No avião teve o primeiro remorso e até chegou a pronunciar o nome dela, Ana, atraindo por instantes a atenção do passageiro ao seu lado. Pensou em como o corpo dela se está a transformar com a gravidez de quem vai ser, em breve, o seu primeiro filho. Os seios como frutos maduros, as pernas como raízes grossas e a barriga em forma de balão parecem pertencer já mais a esse filho do que a ele mesmo. Não fazem Amor há dois meses e as conversas entre ambos também não têm fugido muito às questões de organização doméstica. Contas por pagar, roupa por passar, louça por lavar, etc. Ana.
Mal saiu do avião e se pôs a passear pela cidade, a primeira sensação de novidade que teve foi a de poder olhar para todas as mulheres que passavam por ele como se fossem suas potenciais amantes. Talvez por isso precisasse de estar sozinho, para sentir de novo essa chama do sexo a arder-lhe no corpo. Andou toda a manhã alegremente perdido, até se meter num comboio e ir dar ao parque de diversões onde se encontra agora.
O Rui detesta fumar. Enjoou aquele sabor artificial do tabaco e a constante sensação de estar intoxicado, fartou-se daquele cheiro a fumo impregnado na roupa todas as manhãs (é sempre de manhã, ao vestir-se, que dá por ele) e até já se esqueceu do prazer que teve nos primeiros cigarros da sua vida. Mesmo assim acaba de acender um cigarro, talvez porque também deteste não fumar.
Para além do tabaco, detestar uma coisa e o seu contrário só lhe aconteceu no Amor. Lá está, sente-se cansado de Amar Ana mas também detestaria não Amá-la. Ri-se sozinho entre duas passas sem sabor e diz para si mesmo que não está maluco. Malucos estão aqueles que gritam na Montanha Russa que se agita mesmo por trás de si, cujos carros quando passam vão fazendo um ruído idêntico ao que seria o dum fecho éclair gigante.
Hoje parece ser o dia dos contrários para ele. Fuma detestando fumar, não Ama adorando Amar. Além disso, num dia em que se sente tão cinzento quanto a própria vida, acabou a passear sozinho num parque de diversões nos subúrbios de Madrid.
É neste lento contar do tempo que uma mulher se aproxima dele e lhe pede lume. A primeira coisa em que ele repara é que ela é bonita, ou melhor, que lhe apetece achá-la bonita. Tem os cabelos pretos, talvez pintados, e os olhos de um castanho claro contrastante. Depois de acender o cigarro dela no dele não se vai embora, mas antes decide sentar-se no mesmo banco a contemplar a diversão dos outros. Os gritos na Montanha Russa, mesmo por trás deles, continuam a intercalar o fecho éclair gigante.
Ali, à frente do silêncio de ambos, desfilam famílias de pais e mães que tentam divertir-se divertindo os filhos. Ele sabe que um dia fará exactamente o mesmo, com Ana e o seu filho. Talvez até venha a disputar com ela o colo da criança, como vê agora dois pais fazerem num momento em que a criança decide chorar. Mas neste momento, olhando para aquela mulher sentada mesmo ao seu lado, a fumar um cigarro cuja chama nasceu no mesmo fogo, apetece-lhe amá-la.
O fecho éclair atrás deles corre mais uma vez, salpicado de gritos de pessoas que lhe parecem tão assustadas quanto felizes. Também o das calças dele parece querer abrir, dada a pressão que o falo, entusiasmado pela simples imaginação de poder levar a estranha para o Hotel, lhe causa. Vai esperar que ela acabe o cigarro e convidá-la para uma bebida. Se ela aceitar, tentará ter sexo. A vida é uma montanha russa.

21 comentários:

Só Sedas disse...

Bonito, mas não gostei. A ideia generalizada de que os homens se assustam com a responsabilidade da paternidade e tentam fugir nem que seja em sonhos, é demasiado comum (e assustadora para quem algum dia, como mulher, poderia vir a estar na pele da Ana) como para relembrá-la mais uma vez.

Eli disse...

"A vida é uma montanha russa..." e quanto mais cedo soubermos isso, melhor conseguiremos andar nela.

Ivar C disse...

só sedas, mas olha que eu nem queria ir por aí, e acho que não fui. :)

ali, tenho dúvidas que se aprenda, lá está. :)

Carmo disse...

O peso da monogamia, instituida pela sociedade.

naná disse...

uma montanha russa...que ás vezes descarrila....

Anónimo disse...

caneco!
devias ter terminado com "to be continued..." como nos filmes! fiquei aqui ruída de curiosidade com o resto da história! :)
Etelvina

Fatyly disse...

O escritor escreve o que escreve com um sentido...mas lido por dez poderá originar dez sentidos diferentes, daí subscrever o que disse "só sedas" que infelizmente é mais comum do que se julga e gostaria que os homens também pudessem engravidar para sentirem o que eles julgam que elas grávidas não se apercebem!

Fugir-saindo... dos problemas é a pior via...só seria se pudéssemos substituir a cabeça...tal parafuso enroscado, deixá-la e depois voltar e fazer a troca.

Ivar C disse...

carmos, é uma visão. eu, por acaso, acho que a monogamia pesa muito quando não estamos mesmo apaixonados. :)

naná, descarrila, volta a entrar nos eixos... e assim...

etelvina, cada um pode fazer a sua continuação. :)

fatyly, eu não estava a ir por esse caminho. na verdade acho que isto não tem nada a ver com sustos de paternidade, mas sim com sentirmo-nos bem, ou não, com quem estamos. :)

Eli disse...

Chamaste-me de "ali"?


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Ivar C disse...

eli, engasguei-me. :)

Anónimo disse...

Monogamia no amor. Essa resulta. Mas amor de verdade.

Unknown disse...

péssimo. achei péssimo. qual é a bondade de por mais areia numa engrenagem que anda a chiar um bocadinho?
fogo. achei péssimo

Ivar C disse...

anónimo, a monogamia funciona sempre que for natural. :)

eduarda m. fernandes, :)

Vincent Malkavian disse...

O que será de nós se não soubermos resistir a tentações.... São erros que nos irão assombrar para o resto das nossas vidas. Pouca gente pensa na linha assombrosa que se passa quando se comete este tipo crasso de asneiras... Tenho pena tanto dela, mas principalmente dele por ceder a este tipo de tentações.

Ivar C disse...

vincent silver, resistir demais será, porventura, também um erro. :)

Vincent Malkavian disse...

Depende da situação, mas nas relações amorosas não acho, sou alguém que acredita na fidelidade entre casais :) Se não formos fiéis, falhamos para com quem estamos, claro que há quem racionalize para não se sentir culpado, mas acho que é apenas isso, racionalizações. Mas esta é a minha opinião, não quero mandar ninguém para a fogueira por isso. Há demasiada traição e pensamento de amor-livre por aí. Há coisas que na minha perspectiva simplesmente não são aceitáveis.

Ivar C disse...

vicent silver, a monogamia e a poligamia têm diversas explicações científicas, portanto a (in)fidelidade também. eu sou monogâmico e, se quiseres chamar-lhe assim, fiel. também acho isso importante, mas não crucifico quem é diferente de mim. :)

Vincent Malkavian disse...

Eu também tento entender o que é diferente e as pessoas que escolhem fazer coisas menos ortodoxas, no entanto, há uma mania agora muito grande de se pensar que a monogamia foi uma invenção da igreja e que é um conceito retrógrada, para ceder a certos impulsos. Há muitas filosofias desse género nos dias de hoje. Há uma coisa que é respeito pelo parceiro, e a fidelidade também é isso. Se as pessoas querem ser hippies e praticar o "amor-livre".... Como disse, há filosofias hoje que se baseiam no egoísmo e que tudo é natural e etc. Eu não vou nisso e abomino um bocado essas ideias.

Ivar C disse...

vicent silver a tendência para a monogamia, que de facto existe na nossa espécie, tem a ver com a sobrevivência da mesma, ou seja, tem a ver com o facto de uma mulher estar grávida nove meses e precisar de apoio do género oposto durante todo esse tempo. A igreja não inventou a monogamia, inventou foi o sofrimento, e essa invenção sim, é retrógrada no meu ponto de vista. :)

Vincent Malkavian disse...

Absolutamente, mas penso penso que percebeste onde queria chegar.

Ivar C disse...

vincent silver, com certeza. :)