coisas que fascinam (151)
à boleia
Tenho uma gaveta para onde atiro coisas. É uma gaveta bem grande, numa cómoda que herdei do meu avô e que foi feita por ele há quase cem anos. Por exemplo, quando viajo e trago pequenas recordações como postais, bilhetes ou qualquer tipo de panfletos, atiro-os para ali. Faço o mesmo com algumas fotografias, pequenos objectos ou prendas. Não organizo nada, apenas atiro para lá coisas que, de outra forma, não saberia muito bem onde pôr. Na verdade é uma forma de sentir que organizo uma parte da minha vida que não é organizável.
Tenho uma gaveta para onde atiro coisas. É uma gaveta bem grande, numa cómoda que herdei do meu avô e que foi feita por ele há quase cem anos. Por exemplo, quando viajo e trago pequenas recordações como postais, bilhetes ou qualquer tipo de panfletos, atiro-os para ali. Faço o mesmo com algumas fotografias, pequenos objectos ou prendas. Não organizo nada, apenas atiro para lá coisas que, de outra forma, não saberia muito bem onde pôr. Na verdade é uma forma de sentir que organizo uma parte da minha vida que não é organizável.
Hoje de manhã, ao atirar para lá alguns panfletos da última viagem que fiz a Barcelona, decidi remexer naquele monte de pequenos pedaços soltos da minha vida. Meti a mão entre alguns papéis que se amontoavam e tirei um à sorte. Era uma fotografia da Marta.
A Marta deu-me uma vez boleia, de Aveiro para o Algarve, através dum site na internet. Eu andava um pouco perdido, sem estar bem em lado nenhum e, pior ainda, sem fazer ideia para onde devia ir. Vi num site alguém a oferecer boleia do Porto para a Fuzeta, com divisão de custos, e decidi ir passar o fim de semana àquela cidade do sul. Mandei-lhe um email e combinámos que ela me apanhava em Aveiro.
A meio do caminho ela perguntou-me o que é eu lá ia fazer e eu respondi, muito naturalmente, que nada. Só tinha decidido ir ao ver a oferta dela para uma boleia. Perante o silêncio curioso expliquei-me um pouco melhor, o mais que pude dizendo o menos possível, demonstrando que não tinha sítio nenhum para ir naquele fim de semana e por isso qualquer sugestão me parecia melhor do que ficar em casa. Não lhe expliquei que tinha acabado de me divorciar e que me estava ainda a habituar à ideia, tão triste quanto feliz, de ter fins de semana inteirinhos só para mim.
- Eu também só me pus a oferecer boleia para ver se alguém aceitava. Ando um pouco como tu. - respondeu.
Tanto quanto me lembro, depois desse diálogo fizemos grande parte da viagem em silêncio. Não um silêncio perturbador, mas sim um silêncio contemplativo. A sensação era a de que, de repente, se tinham encontrado naquele automóvel duas pessoas que vinham de caminhos similarmente tortuosos, e que naquele momento, pela primeira vez, seguiam numa auto-estrada a uma velocidade razoável e constante, exactamente como aquela que queriam nas suas vidas.
Passámos esse fim de semana juntos e, quanto mais não seja, foi nele que aprendi que a solidão se pode matar com alguém que não conhecemos de lado nenhum, que às vezes é mais fácil contarmos as coisas mais íntimas precisamente a quem até então nem sabia da nossa existência. Desta forma, não nos tornamos demasiado transparentes aos olhos de quem nos conhece mas sim aos olhos de quem não é suposto encontrarmos muitas mais vezes na vida.
De facto, não vi a Marta muitas mais vezes. Lembro-me de ter ido tomar café com ela ao café Ceuta, no Porto, numa ou outra tarde estéril. Mais nada. Mas hoje, quando olhei para a fotografia dela,tive a certeza de que foi uma mulher importante na minha vida. É isso que as mulheres têm a mania de ser: importantes na vida dos homens.
- Eu também só me pus a oferecer boleia para ver se alguém aceitava. Ando um pouco como tu. - respondeu.
Tanto quanto me lembro, depois desse diálogo fizemos grande parte da viagem em silêncio. Não um silêncio perturbador, mas sim um silêncio contemplativo. A sensação era a de que, de repente, se tinham encontrado naquele automóvel duas pessoas que vinham de caminhos similarmente tortuosos, e que naquele momento, pela primeira vez, seguiam numa auto-estrada a uma velocidade razoável e constante, exactamente como aquela que queriam nas suas vidas.
Passámos esse fim de semana juntos e, quanto mais não seja, foi nele que aprendi que a solidão se pode matar com alguém que não conhecemos de lado nenhum, que às vezes é mais fácil contarmos as coisas mais íntimas precisamente a quem até então nem sabia da nossa existência. Desta forma, não nos tornamos demasiado transparentes aos olhos de quem nos conhece mas sim aos olhos de quem não é suposto encontrarmos muitas mais vezes na vida.
De facto, não vi a Marta muitas mais vezes. Lembro-me de ter ido tomar café com ela ao café Ceuta, no Porto, numa ou outra tarde estéril. Mais nada. Mas hoje, quando olhei para a fotografia dela,tive a certeza de que foi uma mulher importante na minha vida. É isso que as mulheres têm a mania de ser: importantes na vida dos homens.
11 comentários:
Gostei deste texto.
beijinho
Gostei muito.
acho que estes textos darão para fazer um livro...
Um livro que a minha avó gostaria de ler :)
E um livro que gostaria de ler em diferentes momentos...
agradeço a partilha
redonda, obrigado. :)
maria, obrigado. :)
Já me aconteceu perder-me em casa... Há dias assim. Queremos ir, mas nunca sabemos como, onde ou para quê?, certo?
Ab.
josh gottam, certo. :)
É sempre mais fácil falar com desconhecidos...
A Vida da Cinderela de Saltos Altos, às vezes, pelo menos, é. :)
num site da internet...e se desse para o torto...já pensaste nisso? Já te interrogaste que fugias do quê e para quê? porque não ser mais transparente aos olhos de "quem já nos conhece"???
é isso que faço ver às pessoas há que interrogar-nos até à exaustão, porque essa "mania das mulheres é na mesma proporção na dos homens" por vezes está tão perto e sem grandes aventuras, que no caso felizmente foi positivo, mas outros são bem mais negativos e ficarão gravadas a ferro e fogo.
Complicam a vida...
Não sei se me fiz entender, mas foi o que senti ao ler este teu texto, que pode ser real ou ficcionado.
Gostei!
através na net, mais propriamente deste blogue, encontrei a mulher da minha vida. :)
Claro que sim...nem tudo é negativo e pelo que contaste/contaram foi num encontro marcado numa FNAC (se não me falha a memória)...e não de uma partilha de boleia à toa para fugir de ti próprio, quando afinal a carcaça vai sempre atrás loll
Tenho saudade dos escritos da tua Raquel quando é que o blogue ficará ao seu cuidado? ai que má que sou, desculpa:)
Um beijo rapaz e outro para ela
fatyly, a raquel não está para aí virada. :)
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