4.13.2012

respostas a perguntas inexistentes (204)

o primeiro beijo da morte
No prédio onde eu cresci eram raras, para não dizer inexistentes, as conversas entre vizinhos. Todos se cumprimentavam sempre que se cruzavam, mas não mais do que isso. Foi por isso que estranhei quando, no fim duma manhã qualquer de Primavera, ouvi um burburinho intenso nas escadas cortado ao meio por dois ou três gritos ameaçadores. Era um homem forte, cuja face zangada parecia esculpida com uma faca do mato, que queria bater no vizinho do quarto direito.
Algumas pessoas tentavam acalmá-lo, segurando-o de frente como se pegassem um touro enraivecido. Aquilo que, no entanto, não conseguiam estancar, eram os gritos que tentavam justificar aquela violência toda. Ele tinha visto a mulher beijar o meu vizinho e queria matá-lo.
Acho que foi essa a primeira vez em que me apercebi da importância que um beijo pode ter. Tanta que pode culminar em morte, pensei.

o beijo da Bonnie Parker
Devo ter visto pela primeira vez o filme "Bonnie and Clyde", de 1967, aí com uns dez anos de idade, ou seja, uns quatro anos após a cena no meu prédio. Era um filme proibido para crianças mas que, por algum milagre que nunca consegui explicar, o meu pai me deixou ver.  Ainda bem. Foi com ele que confirmei que um beijo pode acabar em morte, e foi com ele que aprendi que os maus também se Amam.
Os maus, neste caso, são os próprios Bonnie e Clyde, um casal apaixonado de assaltantes de bancos. A Bonnie Parker e o Clyde Barrow não tinham uma vida normal nem decente como todos os outros, muito menos aos meus olhos de criança, mas o filme retrata-os como um casal mais feliz do que qualquer outro. No fim o meu pai, quando se apercebeu que eu não saía do sofá durante a ficha técnica, disse-me que aquela história era verdadeira.
Nesse dia confirmei a importância do beijo e de como ele pode acabar em morte.

o meu beijo
Esperei anos pelo meu primeiro beijo, que todos dizem que é o mais importante duma vida. Num certo sentido até é. Foi com ele que aprendi que os beijos têm sabores e foi com ele que aprendi que o beijo mais importante é sempre o último. Teve, pelo menos, essa importância que ninguém lhe tira.
Fazíamos, eu e a Márcia, concursos para ver quem conseguia que uma pedra ricocheteasse mais vezes nas ondas do mar. Ela ganhava sempre, porque a mim me faltavam as forças que gastava na confusão de um não Amor de Verão. Ela sorria e era enérgica, eu parecia sempre um pouco apagado. É isso um não Amor, e garanto-vos que é bem mais difícil do que um Amor qualquer,
Um não Amor é uma vontade de Amar que não cabe em ninguém, e que por isso acaba por se adaptar a quem está mais perto. É próprio da adolescência, é próprio de quem ainda não aprendeu a Amar. É vão, e a Márcia parecia sabê-lo. Uma vez disse-me que tinha atirado uma pedra que queria recuperar, mas que não era capaz de ir sozinha até à rebentação das ondas. Deu-me a mão e levou-me com ela, beijou-me e fugiu a sorrir. O beijo soube-me a sal, logicamente.
Nesse dia aprendi que um beijo pode acabar em vida.

dos beijos todos
Não acredito no Amor cujo primeiro toque não seja o dos lábios, logo a seguir ao ainda mais suave contacto das palavras. O beijo é o corpo a soltar-se para tudo o resto: a pele com a pele, os olhos com os olhos, o verbo com o verbo. E por falar em verbo, o beijo é também a assinatura do tratado que nasce cada vez que se diz "eu Amo-te!". Sem ele, o verbo Amar é apenas uma declaração vazia de intenção. No Amor vale muito pouco falar, mas vale tudo beijar. É no beijo que acreditamos sempre. Ou não. Podemos duvidar de nós mesmos quando dizemos "Amo-te!", mas nunca duvidamos quando beijamos "Amo-te!".

8 comentários:

Estadista de Algibeira disse...

Sem dúvida alguma que as atitudes são mais verdadeiras do que as palavras...

Me disse...

... quando beijamos "amo-te"... Bonito, porra. Muito bonito. Uma das tuas melhores tiradas. Muito bonito.

Ivar C disse...

bernardo, não há nada que eu te queira perguntar. :)

estadista de algibeira, :)

me, obrigado por me perceberes. :)

Fatyly disse...

Sempre fui muito pouco beijoriqueira no socialmente correcto, chegar a um grupo e beijar todo o mundo, tenho uma filha que é muito e outra que não é nada de beijos e num blogue que sigo e que fala sobre o assunto, dei a resposta porque há beijos e beijos e por vezes um abraço, um apertar de mãos um gesto de carinho valem mil beijos dados por dar...

"Podemos duvidar de nós mesmos quando dizemos "Amo-te!", mas nunca duvidamos quando beijamos "Amo-te!".
sim numa vivência a dois deve ser muito bom sentir isso, coisa que não senti em tantos anos perdidos...

Agora recebia um beijo do Richard Gere ou do Fagundes dos Brasis lolll mas como não dá né??? como tal deixo-te

Uma beijoca, bem diferente de beijinho, raisparta os "inhos"

e vou dormir que já chegou o João Pestana

Me disse...

Nada a agradecer! Obrigada eu por perceberes que te percebi! :)

Ivar C disse...

fatyly, beijoca para ti também. :)

queres namorar comigo?, obrigado pelo convite. tenho problemas de tempo, mas vou ver o que posso fazer. :)

me, :)

м disse...

que post mais bonito...

Ivar C disse...

м♥, obrigado. :)