4.18.2012

manual de instruções para zangas banais

Sei que há dois tipos de zangas entre pessoas que partilham a vida. Há zangas banais, daquelas que surgem de pequenos nadas do quotidiano, e que se resolvem sozinhas. Há zangas mais a sério, daquelas em que um acaba a tentar ofender o outro sem perceber muito bem porquê. Sempre pensei que as zangas banais acontecem entre pessoas que se Amam. Talvez até sejam necessárias, sei lá. Por outro lado, as zangas mais a sério acontecem entre pessoas que já se Amaram. 
São dez da manhã dum dia qualquer e o dia está como eu: cinzento. Não está chuva nem Sol, não está frio nem calor. Caminho de meias pela minha própria casa, à deriva, sem saber muito bem em que divisão devo parar. Ela acabou de sair, há cerca de dez minutos atrás e, para além duma taça de cereais suja em cima da banca da cozinha, não deixou mais nada. Nem um sorriso, nem um beijo, nem sequer um "até logo". O último som que ouvi na minha vida foi o da porta a bater, e tenho a sensação que foi há mais tempo do que esses dez minutos. Depois fez-se silêncio.
É nesse silêncio que tento perceber que tipo de zanga é a nossa. Não consigo. Sei que ontem tentei fazer Amor com ela quando nos deitámos e ela, que já tinha vestido a camisa de dormir, apagou a luz do pequeno candeeiro da mesa de cabeceira e disse-me que estava cansada. Não liguei. Adormeci também. Hoje de manhã disse-me que, apesar dos nossos dez anos juntos, parece que ainda não a conheço. Depois saiu. Sento-me no sofá da sala e faço uma lista daquilo que sei dela e que, dentro do que é humanamente possível, tento cumprir.

Lista das coisas que sei sobre a Teresa:

- gosta que eu ponha os copos maiores na parte de trás do armários da cozinha e os mais pequenos à frente.
- gosta que eu veja os jogos de futebol na televisão com o som desligado.
- gosta de ser ela a temperar as saladas, mesmo que seja eu a fazê-las, e não podem ter milho.
 - gosta que eu tire as palmilhas dos sapatos e deixe tudo, antes de me deitar, na janela da cozinha.
 - gosta de beber um chá de hortelã à noite, enquanto eu bebo um café expresso sem açúcar.
 - gosta que eu ponha os catálogos do IKEA e a Dica da Semana junto à sanita, para ela ler quando vai à casa de banho
 - detesta que o saco de lixo orgânico comece a deitar cheiro.
 - gosta de ser ela a escolher as peças de roupa que vão à máquina de lavar, por causa do tipo de tecido e das cores.
 - gosta que as garrafas de vinho fiquem na despensa e que, caso alguma já esteja aberta, fique dentro dum armário. 

São tudo coisas pelas quais já tivemos zangas banais. Uma vez, por exemplo, partiu um copo grande ao pegar num dos pequenos, que eu tinha guardado mais ao fundo, e ficou quase a noite toda sem me falar. Depois, antes de nos deitarmos, resmungou que a casa precisava de mais organização. Nessa noite também não fizemos Amor. Nunca fazemos quanto temos esse tipo de zangas. Tanto quanto me lembro adormeci já depois das quatro da manhã, a pensar se aquela palavra - organização - seria um pedido ou uma espécie de ordem nazi. Deviam ser umas três quando me levantei e fui um bocado até à sala, beber um copo de leite morno e deitar-me no sofá a ver as miúdas avantajadas dos programas nocturnos da televisão. Ela levantou-se e veio-me buscar assim que deu pela minha falta na cama. Ainda dá pela minha falta, pensei.
Devo ter adormecido neste mesmo sofá. Pelo menos é ela quem me acorda agora, depois de ter lido o papel com a lista que estava ligeiramente amarrotado entre os meus dedos. Nem sequer a ouvi entrar. 

- Podes acrescentar aí uma coisa. - diz.
- Qual? - bocejo.
- Gosta que lhe perguntem como está, de vez em quando, principalmente nos dias em que anda doente.
- Como estás?
- Com vontade de te bater - beija-me.

27 comentários:

Brisa disse...

E é tão simples...

Ivar C disse...

brisa, às vezes parece que sim. :)

Unknown disse...

Um dos maiores desafios do homem, se não o maior é saber o motivo pelo qual as nossas mulheres não estão bem. Elas vão dando indiretas, e nós pelas indiretas temos de arranjar um padrão para conseguir a resposta. Em geral acertamos 30% das vezes. Para elas é pouco, para nós é muito.

Seria muito mais fácil dizerem logo o que têm, mas elas acham que nós já deviamos conhece-las o suficiente para adivinhar à primeira.

Ivar C disse...

nelson freitas, 30%?! és um génio de certeza. :)

maria disse...

O que dizer. Adorei!

paula disse...

uma pergunta: nunca acontece o contrário? as mulheres não perceberem os homens?

Tenho para mim que é reciproco apesar de nós sermos mais complicadas.

Jude disse...

As brigas mais a sério acontecem entre pessoas que já se amaram... por algum motivo acredito tanto nisso!

Ondas disse...

Somos seres intuitivos, não nos tentem perceber, tentem sentir, percecionar... Às vezes está mesmo à frente dos olhos.
bj doce

redonda disse...

E esta Ela (Teresa) terá gostado que Ele mostrasse saber tanto sobre ela, pela lista :)

Malena disse...

Viver a dois é difícil cumó caraças... :)

Cisca disse...

Very sweet ;)

Cisca
istoaquiloeoutrascoisas.blogspot.com

Sara disse...

o grande problema/defeito de 90% dos homens é esse mesmo. reclamam e exclamam que não compreendem as mulheres, as mulheres são difíceis, as mulheres são birrentas, as mulheres são mesquinhas... mas quando vai ser o dia que ao invés de apenas reclamarem, se esforçam e tentam compreende-las? as mulheres são diferentes dos homens, e é uma coisa com que temos de viver e aceitar.

Carmo disse...

Basta um abraço, um gesto de carinho e a lista perde todo o sentido.

Ivar C disse...

maria madeira, obrigado. :)

paula, hum... não sei mesmo. :)

jude, todos acreditamos. :)

sm, à frente dos olhos é quando é mais difícil de ver. pelo menos às vezes. :)

redonda, a questão é se aquela lista significa mesmo que ele sabe tanto. :)

malena, põe difícil nisso. :)

cisca, :)

sara soares, eu não reclamo que não compreendo as mulheres. constato, apenas, mas isso até me dá algum prazer. :)

carmo, às vezes é... pelo menos neste tipo de zangas. :)

*Lili* disse...

É um facto que somos complicadas sem dúvida...mas estou como a Sara...somos assim que os homens o que tem de fazer é aprender a lidar connosco tal como somos. Às vezes do que precisamos é apenas um conforto lá para nos receber...nada mais do que isso...nada de palavras, apenas gestos significativos...
Tal como disse, somos complicadas sem dúvida mas na minha honesta opinião os homens são também tão complicados de entender! Arre ! Santa paciência eheheh ;) Gostei*

Ivar C disse...

lili, lol. obrigado. :)

Lilith disse...

A maioria das vezes é bem mais simples do que parece... :)

Ivar C disse...

lilith, :)

Anónimo disse...

Curiosamente, comigo acontece o contrário. Quando estou doente (gripe) a minha mulher não nota.
EJSantos

Anónimo disse...

Curiosamente, comigo acontece o contrário. Quando estou doente (gripe) a minha mulher não nota.
EJSantos

Ivar C disse...

ejantos, isso até é positivo. :)

Fatyly disse...

Ambos têm razão e culpas, porque ficam tão atordoados com os copos, garrafas, lixo assim e assado, que nem sentem o cheiro esturro emocional da fumaça que saí, quer de um, quer do outro e em vez de falarem como o último diálogo...fecham-se em copas, viram as costas e depois é meio caminho andado para uma separação.

Em vez de uma lista material, deveriam fazer uma lista emocional e este texto tanto se aplica aos homens como às mulheres!

Gostei!

Ivar C disse...

fatyly, obrigado. :)

sophie disse...

Às vezes somos realmente complicadas. Alguns dias muito mais que outros... É por isso que nesses dias o meu amor já me dá um desconto!!! :)
O truque é tentar encontrar o equilíbrio... Os copos ficam arrumados à nossa maneira, mas podem ver a bola com som... :)

Já não voltava aqui à algum tempo... Horários trocados,trabalho,algum cansaço... Mas é sempre bom voltar aqui...

Ivar C disse...

sophie, obrigado. :)

delarocha disse...

Como alguém disse em cima, o truque é o equilíbrio... ;)

Ivar C disse...

delarocha, só o equilíbrio é mais o resultado do que o processo em si... ou seja, o equilíbrio é que precisa de um truque. :)