2.10.2012

o segredo da rua

Hoje almocei com a Raquel por aí, num restaurante em Matosinhos de que já nem me lembro do nome. Lembro-me sim, de que acabei a refeição antes dela muito por culpa da minha terrível mania de comer demasiado depressa, e de ter ficado com meio copo de vinho para beber devagar. Dei um primeiro gole contemplativo como quem bebe um segredo, e fiquei a vê-la acabar.
É verdade que o Amor começa sempre por ser um segredo só daquele que Ama. Pelo menos, quando me apaixonei por ela, só eu é que o sabia. Mais ninguém. Às vezes até me convenço que chegou mesmo a ser um segredo de ninguém, porque me apaixonei antes de eu próprio o ter percebido. Foi nessa altura que lhe comecei a chamar o segredo da rua. A ela. Mais ninguém.
Era uma rua qualquer de Aveiro onde eu a esperava todos os fins de tarde, só para a ver passar por um momento, e onde os sorrisos sedutores que eu ensaiara durante o dia inteiro me asfixiavam nesse preciso momento. Era um segredo só meu, esse Amor e essa asfixia contínua do tempo.
E a minha mãe a perguntar-me se eu estava doente e eu a responder que não, o meu amigo Paulo a perguntar-me se eu estava bem e eu a responder que sim, a minha amiga Luísa a perguntar-me se eu estava apaixonado e eu a abanar os ombros. Assim, todos os dias a mentir-me a mim mesmo através dos outros para não tocar na verdade que era um segredo só meu.
Passaram-se mais de vinte anos desde esse tempo até a poder ver de novo, por uma mera coincidência, num café do Porto, num encontro combinado às cegas através do email com uma leitora deste blogue (os que aqui costumam vir já conhecem a história). Lembro-me de a ter reconhecido com o mesmo sabor do vinho de hoje e de, por um momento, tudo isso ter sido um segredo cósmico só meu.

29 comentários:

Bernardo disse...

ESTA BEM :D

Anónimo disse...

Gostei bastante deste posto. Afinal a vida é isso mesmo. Uma caixinha de surpresas e coincidências (:

Filipa disse...

Lindo... Extraordinariamente lindo!

Ivar C disse...

bernardo, :)

andré gonçalves, sim... as coincidências dão-se mesmo... ou talvez não o sejam. não sei. :)

filipa, obrigado. :)

Anita disse...

O que tem de ser tem muita força :) love moves in mysterious ways ;)

POC disse...

@bagaco amarelo, histórias destas fazem-nos lembrar o passado e tentar construir o futuro. Fazendo figas de que uma coincidência destas seja a simples coincidência de se ser feliz.

Abraço,

http://simaoescuta.blogspot.com

Ivar C disse...

anita garcia, boa. :)

poc, abraço. :)

Ana C. Martins disse...

gosto mesmo da forma como tu contas as histórias, como com pequenos gestos tu transformas num enorme texto. possa a tua namorada deve ficar derretidinha a ler o teu blogue...:) já agora um bom fim de semana.

Anónimo disse...

Isso são coisas dos 15 anitos :)

paula disse...

Aveiro, aveiro o quanto eu gosto desta cidade. O quanto a tua história foi por momentos um pouco minha, que não é. São apenas reconhecimentos de amores que nascem selvagens sem nós mesmos nos apercebermos. (:

Mário disse...

uau, bom feeling :)

Olga disse...

Já conheço a história mas nunca me canso de a ler. Acho que esta história deixa qualquer um a sonhar acordado. :)

Ivar C disse...

aNa, obrigado. bom fim de semana. :)

cycle, foi por aí, sim. :)

paula, boa. :)

vsmário, obrigado. :)

olga, por acaso eu próprio ainda sinto que estou a sonhar acordado. foi a maior e feliz coincid~encia da minha vida. :)

Estudante disse...

"É verdade que o Amor começa sempre por ser um segredo só daquele que Ama. Pelo menos, quando me apaixonei por ela, só eu é que o sabia. Mais ninguém. Às vezes até me convenço que chegou mesmo a ser um segredo de ninguém, porque me apaixonei antes de eu próprio o ter percebido"... este excerto é "de mestre"! Lindo, lindo, lindo :)

Olga disse...

O sonho comanda a vida. :)

Ivar C disse...

estudante, obrigado. :)

olga, :)

tiago leal disse...

Bonito!

Lily disse...

Cósmico ou não, é um lindo segredo...

Maria Nunes disse...

é mesmo um sonho lindo! :-)
...e um mais texto delicioso.
Obrigada, bagaco amarelo, por mais este "caldinho quente para a alma".

Miguel disse...

adorei este texto :)

que feliz coincidência tives-te...

Anónimo disse...

Sempre excelente. Raramente comento estes posts mais sérios, mas este tocou-me.

O Amor é algo de muito misterioso, ás vezes, penso que o segredo do amor está de braço dado com o segredo da vida.
Quando entrei para os quadros da empresa em que trabalho, escolhi ir para santarém. Quis, por uns tempos, sair de V.N.Gaia e do Porto, cidades que tanto amo. Sair à aventura e viver noutro lado do País. Sair da minha área de conforto.
Nem sonhava que ia conhecer a minha mulher e ficar a viver no Ribatejo e a trabalhar em Lisboa! Ah, o Amor...

Um abraço

EJSantos (no facebook Eduardo Santos)

Fatyly disse...

Recordo-me da história e meu amigo, tinha que acontecer, porque essa de que temos de procurar o amor a mim não me convence.
Procuraste? Alguma vez pensaste? Não, foi um encontro formal como outro qualquer...e a vida, vinte anos depois põe-te à frente aquela que te fez passar pelas perguntas da tua mãe, do Paulo e da Luisa:)

É verdade ou mentira?

Sejam muito felizes!

PS: só tenho pena que a Raquel não volte a escrever como o fez quando te ausentaste e que tal ela de vez em quando publicar aqui alguma coisa?

Ivar C disse...

tiago leal, obrigado. :)

lily, obrigado. :)

maria nunes, obrigado. :)

miguel, obrigado. :)

ejsantos, no ribatejo está-se bem... e entendo bem que se queira sair de Gaia, lol. abraço. :)

fatyly, é verdade. e também é verdade que já lhe disse que pode escrever quando muito bem lhe apetecer. obrigado. :)

a d´almeida nunes disse...

Uma confissão muito bem contada, a malta a rever-se em situações análogas, o romance acontece quando tem de acontecer.

Aquela do copo meio vazio à espera de poder de servir de pau de cabeleira para ajudar a apanhar o ritmo está mesmo boa.

Gostei de aqui vir, talvez vá aparecendo, vou fazer por isso...

Ivar C disse...

as-nunes, obrigado. :)

Eli disse...

Eu sou fã desta história :-)

Ivar C disse...

lianita, obrigado. :)

Anónimo disse...

Revejo-me perfeitamente nesta história, porque idêntica à minha, com uma pequena excepção, felizmente o meramente casual reencontro fez-se ao fim de 6 anos sem qualquer contacto ao invés de 20 :)
Muitas felicidades.

Ivar C disse...

anónimo, obrigado. que tudo te corra bem. :)