6.06.2014

pensamentos catatónicos (309)

Durante vários meses sentei-me à frente dela com o único objectivo de beber um copo. Às vezes mais do que um, outra vezes mais do que muitos. Nunca troquei com ela mais do que a informação necessária para conseguir o meu objectivo. 

- Um Bushmills, por favor.

Talvez, num dia ou noutro e assim como quem não quer a coisa, tenha falado do estado do tempo, aproveitando o facto de estar molhado pela chuva ou suado pelo calor.

- Nunca se viu um calor assim.

Mais do que a voz, lembro-me do seu constante sorriso. Ela ainda falava menos do que eu e limitava-se a cumprir os meus pedidos com o máximo de competência possível. Nunca me pareceu feliz nem triste, o que fazia dela um enigma.
Era a empregada do meu sítio secreto, aquele onde eu ia beber quando queria trocar dois dedos de conversa comigo mesmo. Não é fácil encontrar um bar onde me sinta bem sozinho. Por isso mesmo, quando encontro um nunca o divulgo. Provavelmente ela via-me como um homem solitário e silencioso, se é que alguma vez pensou nisso.
Ontem fui lá e ela não estava. Atendeu-me um tipo simpático e conversador que me disse que ela está de férias. Só bebi um copo e voltei para casa.
Às vezes são as pessoas que não conhecemos bem nem queremos conhecer melhor que nos fazem falta.
Uma pessoa pode ser um vício. Era só isso. 

6 comentários:

Mam'Zelle Moustache disse...

E já não é pouco... (em resposta ao teu "Era só isso.")

Ivar C disse...

Mam'Zelle Moustache, obrigado. :)

AC disse...

Gosto de pessoas. Gosto muito de algumas pessoas.

Anónimo disse...

Bagaço de facto as mulheres tem poderes fantásticos...Igualmente fantásticas são as pessoas que percepcionam esses poderes (não visíveis a olho nu)!

Mulher disse...

Compreendo-te perfeitamente. Afeiçoei-me ao sr. da garagem onde deixo o carro para ir ao dentista. Nunca troquei outras palavras com ele que não " quanto é, obrigada". No entanto, provavelmente por vê-lo assim que o suplício acabava, ficava sempre contente por ele estar no seu posto, à minha espera. À laia de reconforto, sei lá. Quando o substituíram por outro senhor e mais tarde por uma máquina, fiquei chateadíssima. :-)

Ivar C disse...

ac, isso mesmo. eu também. :)

til, têm sim... na verdade agradeço-lhes a existência. :)

mulher, por uma máquina é que é tramado. a riqueza continua a ser produzida, mas não para o trabalhador... :)