respostas a perguntas inexistentes (282)
Um dos meus brinquedos preferidos de infância era a máquina de costura da minha tia. Tinha um pedal muito grande que accionava uma correia que, por sua vez, fazia girar a roda que permitia que a agulha cosesse. Para mim aquilo não era máquina de costura nenhuma. Era uma locomotiva de um comboio e foi nela que eu fiz as minhas primeiras viagens de longa distância.
Uma das viagens que eu mais gostava de fazer era a Ouagadougou, capital do Burkina Faso, país que na época se chamava Alto Volta. Tinha visto o nome num mapa e ficado cheio de curiosidade. Como não havia internet, pouco mais sabia sobre a cidade do que aquilo que a enciclopédia lusobrasileira lá de casa me tinha ensinado. Ainda assim, normalmente nas tardes de Domingo, saía de Aveiro logo a seguir ao almoço na minha locomotiva improvisada e chegava a Ouagadougou uns vinte minutos depois.
Acabei por contar sobre essas viagens aos meus amigos da rua, aqueles com quem jogava futebol de vez em quando num passeio inclinado que ia dar à antiga fonte dos Amores, e todos eles gozaram com o nome da cidade. Só a Clara é que ficou tão interessada quanto eu naquele destino esquisito.
Houve um Domingo em que a levei comigo. Ao lado da cadeira onde eu me sentava para dar ao pedal, coloquei outra onde ela se sentou e passou uma tarde a visitar a capital do Alto Volta comigo. Foi lá que lanchámos bolachas e uma caneca de leite com chocolate preparada pela minha tia, apanhámos algumas molas de roupa que eram pedras preciosas e fugimos dum terrível coelho laranja que nos queria comer.
Já não me lembro muito bem da Clara, mas lembro-me que ela me aturou toda essa tarde cedendo às brincadeiras que eu queria fazer, sem alterar o argumento ou a substância das mesmas. Talvez tenha sido a primeira mulher a fazê-lo e quase de certeza a última.
Hei-de ir a Ouagadougou.
p.s.: eu tinha mesmo um coelho cor de laranja. não é uma piada política.
4 comentários:
E esse é um maravilhoso acto de generosidade, alguém que cede às nossas brincadeiras sem alterar o argumento ou a substância das mesmas, alguém que adere,que embarca, por momentos num sonho nosso sem o questionar. Quer-me parecer que a pequena Clara tinha um grande coração.
cláupi, tinha mesmo. :)
A minha avó tinha uma e para nós - eu e as minhas irmãs foi um teatro, em que o pedal era o palco, o público se sentava à frente, dava para colocar um pano preso em cima para ser o cortina e lembro-me de uma das peças que a minha irmã encenou "A mantilha de Beatriz", os actores eram uns bonecos pequeninos que tínhamos, a Clara - a actriz estrela, o zé carlos, o rui pedro e a mónica que era um bocadinho mais alta que os outros três :)
redonda, de repente percebo que estas máquinas foram o brinquedo duma geração inteira. :)
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