crónicas da cidade que sopra | um gesto seu silencia-lhe o corpo
Amanhã, no Diário de Aveiro:
Um gesto seu silencia-lhe o corpo. Sandra estica o braço varrendo instintivamente a fria superfície do lençol. Ele já não está ali. Talvez se tenha levantado e ido embora porque trabalha cedo, e lhe tenha deixado um bilhete qualquer; talvez porque seja casado e precisa acordar ao lado da mulher para manter um casamento que já não o é, e não tenha deixado bilhete nenhum; talvez porque para ele aquela tenha sido apenas mais uma casual noite de sexo, e tenha deixado apenas um número de telefone para uma eventual repetição. Ela não sabe, porque o seu corpo ainda nem se conciliou com a luz do Sol que perfura os buracos da persiana, desenhando-os na parede. Sabe só que ele não está ali, e isso chega para que os tímidos gemidos de prazer, que se lembra de ter dado durante a noite, se transformem agora numa lamúria silenciosa.
12 comentários:
ui....arrepiei-me....
Gostei!
"Vai repetindo para dentro que, depois de gostar de alguém a sério uma primeira vez, é difícil gostar doutra uma segunda. Por isso saiu devagarinho do porto onde passou a noite, afastando-se pela calada como um navio clandestino."
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neste mundo em transformação...de uma forma ou de outra, somos todos clandestinos...razão da palavra FIM!
Tocou-me muito e gostei ainda mais!
Beijos
principalmente porque conheço essa história....
patrícia, é o que se chama um memo, não é? ;)
joana. obrigado. :)
fatyly, pois somos... em circunstâncias diferentes mas somos todos clandestinos, sim. às vezes de nós mesmos. :)
Tão bela e intensa a descrição que não é difícil sentirmos o peso da solidão na superfície fria daquele lençol.
Acho que foi mais um "não gesto" que lhe silenciou o corpo e lhe esvaziou a alma.
Lindas estas palavras
Carla
carla, obrigado. :)
Obrigada I. Bela crónica.
E sim, também eu subscrevo completamente que «depois de gostar de alguém a sério uma primeira vez, é difícil gostar doutra uma segunda». No entanto... também acredito que seremos capazes de gostar a sério de outras pessoas, para além da primeira. Não é igual. Nunca é, como sabemos todos... isto é um lugar demasiado comum... mas de um modo diferente somos todos capazes de voltar a gostar a sério de outras pessoas. Mais cedo ou mais tarde há-de acontecer.
elisa, é uma sentimento actual bem presente em mim. Só isso. Mas sim, sei que há-de passar... :)
evidentemente.
EU SEI que é assim... É possível voltar a amar, a sentir que o somos. É mais ou menos intenso? Sei lá... É bom...
João, ainda bem, não é? Abraço. :)
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