respostas a perguntas inexistentes (243)
Aconteceu-me
numa das raras vezes em que conduzo. Ela ia ao meu lado, no lugar do
morto, silenciosa. Era como se a cidade nos estivesse a seguir e
quiséssemos passar despercebidos. O meu telemóvel tocou e encostei
à direita para atender. Senti que a minha voz era demasiado alta,
por muito baixinho que eu falasse. Tínhamos combinado ir buscar um
amigo comum, sem hora certa marcada, e ele queria saber se já
estávamos a caminho. Depois disso, iríamos os três de fim de
semana.
-
Ainda demoro uns quinze minutos! - disse eu antes de desligar e
retomar a marcha.
Um
pouco mais à frente parei num sinal vermelho. O silêncio continuou
mas, por qualquer motivo, senti que não era igual ao anterior.
Talvez o respirar dela me tenha deixado perceber isso, não sei. Sei
que me lembrei dum amigo meu, já adiantado numa noite de copos,
quando uma vez me disse que a respiração dos outros nos permite
perceber o seu estado de espírito. Não liguei nada, porque ele
estava bêbado, mas nesse momento lembrei-me dele.
-
Porque é que disseste que demoramos quinze minutos, se vamos demorar
uns cinco? - Perguntou ela.
Demorei
a responder propositadamente. Era uma forma de diminuir o ritmo da
discussão. Afinal de contas, era de pressa e de ritmo que estávamos
a discutir.
-
Assim sei que ele não está à minha espera. Não gosto de fazer
esperar os outros. - Sorri, na esperança de que a coisa ficasse por
ali.
-
Pois, pois. Assim espero eu, não é? - Ouvi-a suspirar.
Estava
a começar a apaixonar-me por ela nesses dias. Pensava eu, enganado,
que talvez ela o estivesse por mim. A discussão acabou de forma
educada, mas fria. Percebemos uma grande diferença entre nós,
assumida de forma clara na última coisa que cada um disse.
-
Se eu lhe disse que o ia buscar depois de fazer a minha mala e de te
apanhar, não vou fazer com que ele fique agora à minha espera no
cruzamento duma estrada, caso demore um pouco mais do que o previsto.
- disse eu.
-
Se lhe dissesses que estava mesmo a chegar, ele já lá estava de
certeza quando chegássemos. Era o que eu faria. Só isso. - disse
ela.
O
fim de semana nem correu mal, numa casa de turismo rural em que o
tempo parecia não existir. Ouvimos música os três, vimos um filme
ou outro, caminhámos na serra e jogámos xadrez. Percebi, no
entanto, que seria incompatível com ela num contexto onde o
ritmo fosse outro.
8 comentários:
São pequenas coisas mas que no dia-a-dia assumem uma importância extrema na interacção entre o casal. Quando dois navegam a ritmos diferentes ou estão em cantos opostos do barco lá se vai a viagem.
Bom texto, as always!
Sorriso, obrigado. :)
Não sei se será uma questão de ritmos diferentes ou de egoismo. Será que se fosse a ela que iam apanhar, ela contaria na mesma que a avisassem com 5 minutos ou estaria antes a contar que lhe dessem os 15 minutos e que esperassem por ela?
redonda, boa pergunta... posso imaginar a resposta, mas não posso garantir que seria essa... :)
Gosto tanto de ler estas conversas, embora a maioria das vezes nem comente. É mesmo nestes nadas que se tornam tudo que morrem as paixões que nunca chegarão a ser... Detesto que me façam esperar. Detesto que me digam que já estão a sair quando ainda vão demorar 10 minutos para sair de casa. Detesto mais ainda fazer os outros esperar. tem sido um dos meus mais dificeis "issues" este desrespeito pela espera, pelo tempo, pela verdade. Ao fim de tantos anos nunca ninguém me entendeu, até hoje, ler aqui nestas palavras alguém que pensa como eu. Reconfortante. Gostei! :)
Teresa Costa, obrigado. :)
Pequenos grãos de areia que ao entrarem numa engrenagem a dois...fica tudo estragado. Enfim!!!
fatyly, é isso. :)
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