coisas que fascinam (32)
Em França o café vinha com cubos de açúcar, não com pacotes de açúcar como em Portugal. Descobri isso pouco depois de a ver a correr, no cais da estação, na minha direcção. O primeiro abraço, o primeiro beijo, os primeiros cheiros, o primeiro sinal de cansaço, a primeira certeza de que ela ainda existia. Depois o primeiro café.
Gestos decididos, disse-lhe eu, e perante o silêncio aprofundei a ideia: - “Esta empregada tem gestos curtos mas rápidos, desde o olhar ao arrumar as cadeiras. São gestos decididos... de certeza que dorme oito horas por dias certinhas, não fuma nem bebe muito, guarda a comida que sobra em tupperwares para fazer outras refeições e toma café sempre ao balcão”. Ela sorriu, mas não foi um sorrir qualquer: - “Chegaste agora e já estás a reparar nas francesas?”. Eu dei pelo erro e compensei. Expliquei-lhe que se encostasse um cubo de açúcar ao café, ela veria o líquido a subir e pintar de negro a solidez do doce. O doce tinha espaços por preencher, o amargo não. Ninguém o disse mas ambos o pensámos.
Não falei muito. Fiquei a ouvi-la falar durante muitas horas, e para mim era como se estivesse num concerto da melhor música do mundo, sozinho numa sala de cadeiras acolchoadas e perfeita equalização. Estás pouco falador, disse-me entretanto. Aí fui eu que lhe sorri sem ser um sorriso qualquer: - “É preferível adoçar um bocadinho o amargo mergulhando nele o açúcar, do que deixar esse amargo invadir lentamente o que é doce”. Estava frio em Bordéus. Eu estava desempregado e passara três meses a tentar juntar dinheiro para a ir ver uma semana a França. Pedimos mais dois cafés que a empregada de gestos decididos trouxe para mesa e, antes de os beber, pedimos uma dose extra de açúcar.
Estava mesmo apaixonado. Lembro-me de sentir as pernas a tremerem debaixo da mesa, de achar que não tinha força suficiente para levantar uma simples chávena de café, de sentir as palavras agarradas à garganta e não quererem sair. Depois fomos para a casa dela. Queres ir de táxi ou a pé? Perguntou-me. A pé e pelo caminho mais longo, respondi. Estávamos em Outubro de 1992. Desde então e até esta semana que as palavras não me ficavam assim, agarradas à garganta.
11 comentários:
FASCINANTE, sendo ou não a realização do meu pedido!osmi
não se consegue comentar um texto escrito com palavras coladas à garganta. mas fica-se com inveja, porque se conhece a sensação e ... ... e porque é uma sensação invejável, pronto!
por isso mesmo é que desejo que os deuses te mantenham o estado de graça por muuiiiiiito tempo.
Parece que ele está apaixonado... :)
osmi, não me esqueci de ti. dá-me mais algum tempo... :)
fausta, estou naquilo que chamo de período latente. :)
elizane, parece sim... parece.
olha, não te preocupes! Se me autorizares eu ponho este lá ok? tem tudo a haver e eu adorei!!! E não quero que perdas tempo comigo, já vi que andas bem ocupado, .... que bom não é? bjo
ok osmi, está à vontade... ;)
obrigado!!!!!!! :)fantastico bjo e bom fds
Delicioso! Ou melhor, muito doce.
obrigado duckman...
a flutuar em ascenção, agora?
:)
teresa, ando a flutuar duma maneira que... sei lá, estava capaz de fazer Aveiro - Póvoa do Lanhoso em cima dum contentor do lixo empurrado por uma vara. Pronto... é isso. ;)
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