6.10.2013

respostas a perguntas inexistentes (256)

É fim de tarde dum feriado qualquer, ou melhor, dum feriado que já se chamou o Dia da Raça e que agora se chama Dia de Portugal e de Camões. Dou por mim a discutir questões de raça e a enervar-me. Aquela que está à minha frente ri-se quando lhe digo que felizmente a genética acabou com essa merda, com as raças entre nós, humanos. Etnias sim, existem. Raças não. Mas ela ri-se. Trata-me como se eu estivesse a dizer tolices.
Sinto-me esmagado. O café está cheio e tanto os meus nervos como os risos dela já chegaram a alguns clientes das outras mesas. Alguns olham-nos de lado. Numa delas está sentada uma mulher marcada, não sei se pela vida ou pela violência de um eventual marido. É nítido que sustém as próprias lágrimas como uma represa. Está de óculos escuros.

- Quer dizer que um mongol e um sueco loiro não são de raças diferentes? - Pergunta.

Estou a falar com alguém que não conheço de lado nenhum. Ambos estamos à espera da mesma pessoa e considero o nosso encontro uma infeliz casualidade. Puxo pela cabeça para chegar a uma resposta qualquer que não me obrigue a um grande esforço. Estou cansado da conversa e apetece-me ir para casa.

- Quer dizer que um mongol não é um dálmata e que um sueco não é um bulldog.

Ela ri-se. Incomoda-me.

- Isso sei eu.

Noutra mesa está uma família. Pai, mãe e dois filhos, um de cada género. O pai bebe uma Super Bock e olha para o infinito, os filhos lancham umas torradas com leite branco. A mãe não faz nada. Parece uma estátua que deixou de ter significado há muito tempo para quem passa por ela, incluindo a própria família.

- A Ana está tão atrasada! - diz ela.
- Hum, hum... - aceito.

Um homem entra no café com ar apressado e vai ter com a mulher que chora. Pergunta-lhe como está e vejo-a a abanar os ombros. Dão um abraço e a represa cede. Invade-a um violento mar de lágrimas.
Pergunto-me de que são feitos os abraços que têm este magnífico poder de nos controlar totalmente o coração. Não sei, mas acho que alguns abraços, exactamente neste momento, teriam o mesmo efeito em mim.
Levanto-me e digo que vou embora.

- Não esperas pela Ana?!
- Não.
- Ela deve estar mesmo a chegar...
- Que se foda! Tchau!

A cidade parece dormir durante o dia. Telefono à minha companheira de vida. Pelo menos do que é a minha vida agora, penso. Desta vida que vou tendo apesar deste país e desta raça que somos. Rio-me. 

- Está tudo bem?
- Onde estás? Preciso dum abraço.

12 comentários:

redonda disse...

Muito importante ter alguém que nos possa dar abraços assim.
um beijinho
Gábi

Anónimo disse...

Um abraço, aquele que nos preenche, que nos envolve e nos conforta em dias de tempestades, em dias de sol..

Quero e necessito de um abraço, bem apertadinho!!

Beijinhos.

;) \/

Kelly disse...

:) http://macondoaqui.files.wordpress.com/2010/05/macanudo.jpg

Ivar C disse...

gábi, beijinho. :)

v, um abraço apertadinho, então. que é só o meu, claro. :)

Mariana disse...

Sei exactamente o que sente quando discute isso das raças, acredita! E também fico super irritada por ninguém me levar a sério!

maria.c disse...

um abraço!

AC disse...

Um abraço faz tanta falta. Por vezes só mesmo um para fazer a diferença nos nossos dias, tremendamente cinzentos e iguais.

Deixo-te um beijo e um abraço :)

Ines de Singapura disse...

Bagaço, já sigo o blogue há muito tempo, fabuloso tudo o que escreve, parabéns e obrigada por me entreter de tão longe. Apenas hoje tive necessidade de comentar/apoiar o que foi escrito. Também eu acho terrível essa coisa de se catalogarem pessoas. Aqui pelas ásias, onde vivo, é imprescindível que se diga "o que somos": Malaios, chineses, indianos... ou caucasianos. Acho terrível. Força e um abraço!

Anónimo disse...

Sim, só o seu!! Outro também bem apertadinho..

Beijinhos cheio de carinho.

;) \/

Ivar C disse...

kelly, obrigado. :)

mariana, a ciência leva-te a sério. :)

maria c, um abraço. :)

ac, obrigado. um beijo e um abraço. :)

inês de singapura, acho que me lembro dessa sensação, quando trabalhei em hong kong. :)

v, :)

nos"entas!!!! ( e feliz) disse...

Ola Bagaço...
como a vida de estranhos nos toca..se dedicarmos 5 min a observar o que nos rodeia...
e hoje em dia isso acontece tao pouco....
beijinhos

Ivar C disse...

Quase nos "entas", é verdade. beijinho. :)