4.08.2013

tenho marido na Ucrânia


Nunca pensei tornar a vê-la. Na verdade, para ser sincero, já nem tinha bem a certeza da sua existência real. Talvez tivesse sido apenas um produto da minha imaginação, naquela altura em que a minha mente criava mulheres em série, como se fosse uma fábrica no auge da sua vida produtiva.
Não a reconheci por nenhum traço fisionómico, nem sequer pelo cheiro ou pela voz. Ia simplesmente a caminhar entre a multidão quando um som se destacou na cidade. Era o bater duns saltos altos nas pedras do passeio, quase igual e tão diferente de tantos outros. Pensei: “é ela”. Olhei para trás e era mesmo.
Num quiosque mesmo ao lado vendiam-se cartões telefónicos que prometiam bastantes minutos de conversa para países como a Roménia, Ucrânia, Turquia ou Grécia. Fiquei a pensar naquela venda que tratava o tempo como um produto consumível, como se fosse um tinteiro de impressora ou um frasco de polpa de tomate. No nosso caso, o tempo tinha sido isso mesmo, um consumível de pavio curto. Se no princípio tudo me parecera bem, assim que os nossos corpos se tocaram uma última vez tudo passou a ser uma vertigem.
Eu não andava à procura de nada, nem sequer de sexo, no dia em que ela se sentou ao meu lado do balcão dum bar e me pediu lume. A sensação de poder Amar alguém estava tão distante como um barco que lentamente partira em direcção à linha do horizonte, e eu pouco mais fazia do que trabalhar e ver jogos de futebol enquanto me embebedava num tasco qualquer.

- Não fumo! - respondi.
- Ainda bem. Eu também não...

Depois sorrimos ao mesmo tempo e pedimos mais um copo. Não sei, escusado será dizer, quanto ficou o jogo dessa noite. Sei que eram seis da manhã quando ela se levantou e se foi embora sem se despedir. Eu, a fingir que dormia, deixei-a ir conforme combinado. Lembro-me do som dos sapatos de salto alto, num ritmo fora do normal. Aliás, nunca mais me esqueci.
Era ela. Reconheci-a por esse mesmo som. Olhei para trás e vi-a comprar um desses cartões que nos dão tempo como se dessem vinho. Lembrei-me do acordo que fiz com ela nessa noite e retomei o meu caminho sem lhe dizer nada.

- Tenho marido na Ucrânia. Só preciso de alguém por uma noite.
- Está bem, então... - disse.

17 comentários:

EU SOU EU disse...

assim...vale a pena... !! Se é para ser memorável... vale a pena.. não a traição mas a memória...

Sérgio Fangueiro disse...

Lindissimo!!

*Lili* disse...

A meu ver ... inaceitável. A atitude dela será escusado dizer é lamentável mas saber que tu permitiste isso é a meu ver pior.
É lamentável que hajam pessoas assim, contudo penso que não tenho permissão para te condenar desta forma... infelizmente ou não as mulheres têm esse poder de seduzir um homem, por sua vez os homens só pensam com o que têm entre as pernas :/
Tenho dito.

Sys Arancia disse...

Wow, a sua vida não é nada monótona. Adoro!

Ivar C disse...

eu sou eu, sim... é isso mesmo. :)

sérgio fangueiro, obrigado. :)

lili, isto é ficção. :)

sys arancia, isto é ficção. :)

*Lili* disse...

Oh bolas! Agora deixaste-me ficar mal << eu aqui a dar-te um raspanete e é ficção! Mas agora falando sério, seria algo que farias na vida real? se sim, então o meu raspanete mantém-se :p

Anónimo disse...

Ui, no que te meteste. Disseste que é ficção, mas a mim parece-me que arriscas a ter uma fricção (verbal!) :-)

EJSantos

Alguém Estranho disse...

www.queminteressa.blogspot.com

Gostei do seu Blog. Parabens!

LA disse...

Adorei! :D Mas que lindo :)

Ivar C disse...

lili, seria, sim. se não estivesse comprometido. :)

ejsantos, não seria a primeira. :)

alguém estranho, obrigado. :)

la, obrigado. :)

Carmo disse...

Gostava de ser assim, como ela!

Afinal sexo é uma necessidade fisiológica e nem sabemos há quanto tempo estava sem marido.

Anónimo disse...

As mulheres também pensam com o que têm entre as pernas e,pelo que sei,são dessas que os homens gostam,isto diz-me a minha experiência e os anos que tenho.
As que nunca pensam,os homens largam depressa.
Desculpe meu comentário,mas ás vezes certas pessoas parecem que não vivem cá na terra.
Um beijo carinhoso para si.Rosa

Ivar C disse...

carmo, com certeza que sim. :)

rosa, há um princípio biológico, sim, que é comum aos géneros. :)

Fatyly disse...

Retratas uma dura realidade. Com homens ou mulheres longe dos seus...quantas situações dessas não ocorrerão? Necessidades? Sexo por sexo? Não condeno nem aprovo porque, como adultos cada um é que sabe como gerir as suas emoções.

Gostei!

Ivar C disse...

fatyly, obrigado. :)

Unknown disse...

Fabuloso! Qualquer um de nós gosta do "romance almiscarado" (expressão bem espremidinha... hehehe)
Quando lançares um livro de contos publicita! Eu compro!

Ivar C disse...

pedro faria, obrigado. :)